Falamos sobre a falha de significado do racismo reverso, ao entender que o racismo, mais do que um comportamento pessoal, é uma questão sistêmica. No texto referenciado acima, ainda assim, foi colocado um spoiler quanto à inversão de valores que a expressão “racismo reverso” carrega:
P.S.2 Se formos abusar da técnica, um sistema hipotético que oprimisse o branco não seria racismo reverso. Pela raiz do termo, continuaria apenas racismo. Como aquela expressão foi criada pensando em direção, o texto procura mostrar sua inviabilidade na mesma lógica.
Pois bem, em conversa com meu amigo Hyago, divagávamos sobre essa inversão de sentido. Se o racismo é o sistema de valores de superioridade de raça (como era a composição racista do nazismo), em um universo paralelo, onde a opressão sistêmica fosse direcionada aos brancos, ao invés dos negros, o que teríamos? Racismo.
Não seria racismo reverso, pois o racismo, etimologicamente, não tem cor. O que define (talvez) a cor do alvo é o contexto de inserção do sistema. No caso brasileiro, o negro sofre racismo, ainda que alguns brancos sofram alguns preconceitos. Na Roma Antiga, galeses e trácios sofriam racismo, mesmo sendo brancos (o que inclusive mostra a diferença de racismo e colorismo, que vimos naquele texto, logo abaixo). Racismo designa um mesmo conceito, independentemente do tempo ou do local.
Sobre racismo, racismo reverso e outras classificações
Seguindo o fluxo desse rio, um sistema de discriminação cujos alvos fossem caucasianos, em detrimento de outras raças, ainda seria racismo, ainda que em direção contrária do que conhecemos. O reverso/inverso que vemos na expressão caracteriza o racismo em si, não a sua direção. Portanto, racismo reverso seria a inversão do racismo enquanto conceito. Sendo este um sistema de discriminação por raça – qualquer que seja – sobra para o tal “reverse racism” ser a ausência de tal sistema.
Pode abrir a boca, cara pessoa leitora. Se estamos em busca de eliminar um sistema de preconceito/discriminação por raça, estamos em busca do racismo reverso.
Na medida em que o P.S.2 do texto anterior se revela o incidente incitante deste artigo, e acabamos de passar pelo clímax do Ato 1 – afirmar que racismo reverso não é algo que temos, mas o que buscamos, o que poderíamos fazer com o Ato 2?
O último texto prevê que eu, você, todos nós estamos alinhados quanto aos fatores do racismo. Esclarece que este é um sistema por suas definições, contudo, não se esforça em comprovar experimentalmente essa tese. Façamos isso!
Para uma demonstração do sistema, é necessário mostrar que mesmo entre aqueles conscientes de problemas, temos acúmulos desse sistema inconscientemente. Talvez tanto quanto os inconscientes de problemas. Essa descoberta pode ser feita com o IAT (sigla em inglês para Teste de Associação Implícita, TAI em português).
Não terei como auditar seu teste, no entanto, deixo o convite para você compartilhar aqui nos comentários, ou em outro meio que esse texto apareça, como foram seus resultados. Caso não queira participar, o texto seguirá mostrando o procedimento. No entanto, reforço o convite para reservar poucos minutos para o teste; é só clicar abaixo, em “Teste de Associação Implícita”, e pular a explicação dos próximos três parágrafos, quando voltar. Algumas opções de testes serão dadas, todas interessantes. Para os fins do texto, sugiro focar em “Raça”.
O teste apresenta dois formulários, que podem ser apresentados no início ou no final, para ajudar a pesquisa a continuamente traçar os perfis. A execução percorre três fases. Na primeira, você verá rostos de pessoas brancas e rostos de pessoas negras, e deverá indicá-las, sempre através do teclado, para a esquerda ou para a direita, conforme a tela determinar. O passo é repetido para ganho de velocidade e entendimento do exercício.
A segunda fase apresenta, além dos rostos, palavras de valor moral positivo (ex: paz, amor), e outras de valor moral negativo (ex: guerra, medo). Para um dos lados, digamos, esquerda, você deve indicar os rostos brancos e as palavras de valor positivo, enquanto para a direita, os rostos negros e as palavras negativas.
Na terceira fase, a associação é invertida. Para a esquerda, devem ser indicados rostos brancos e palavras negativas, e para a direita, os rostos negros e as palavras positivas. Há entre as duas fases um novo treinamento com a troca de lado dos rostos, para mitigar o vício gerado pelas respostas ao exercício anterior.
Fez o teste? Pode retomar daqui
O clímax do Ato 2 é o resultado do TAI. Se você não fez, pode achar um clímax banal, mas como seria um filme após pular uma hora deste? Prossigamos ao último Ato, por que realizar essa pesquisa?
Como os participantes podem ter percebido, enquanto as respostas são preenchidas, pressionando “e” para esquerda e “i” para direita o mais rápido que se consegue, o computador registra o tempo de diferença na resposta quando se associam palavras positivas a brancos, e palavras negativas a brancos. O mesmo ocorre para a outra raça.
Talvez, mesmo sem contar o tempo, você perceba uma pequena diferença no esforço de troca de associação, o famoso “queimar a mufa”, entre a fase dois e três. Não é à toa. Esse experimento, além de outras versões associando palavras relacionadas com ciências e artes, e nomes masculinos e femininos, comprovaram como associações de gênero, raça, entre outros fatores, estão intrínsecos à nossos modelos mentais. O teste que você acaba de fazer, mantido por Harvard, é um produto de um experimento de 1998, liderado por um trio da Universidade de Washington. Na ocasião, os participantes também respondiam as palavras com um toque no teclado, ficando com o computador o trabalho de contabilizar o tempo. O critério de qualidade aqui é alto.
Na fase dois, brancos/positivas e negros/negativas, o tempo medido era de 1/2 segundo por imagem/palavra. Já na fase três, o tempo passava para 3/4 de segundo por palavra/imagem. Pela ordem de grandeza dos segundos, parece pouco, mas estamos falando de um tempo 50% maior. Uma hora em uma fase? Uma hora e meia na outra.
Quão surreal é o fato de que demoramos mais a associar uma mísera cadeia de termos de valores positivos a rostos de pessoas negras, do que para associar os mesmos rostos a outro grupo de termos, negativo? Para associar as mesmas palavras positivas a rostos de pessoas brancas?
Indo além do resultado médio, quantos de nós de fato caímos nesse problema associativo? O gráfico abaixo mostra o resultado geral para o teste de Raça:

Resultados do TAI para Raça
Então 70% das pessoas apresentam preferências automáticas (leia-se, inconscientes) mensuráveis por brancos. Um dia, repetiremos os TAI’s, e os resultados se concentrarão na opção intermediária, “Pouca ou nenhuma preferência…”. Saberemos, então, que estaremos mais perto desse racismo reverso. De um dia sem racismo.
Inscreva-se para receber os novos textos do Além do Roteiro
Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.