Nota do editor: o texto contém spoilers sobre o filme Capitão América: Guerra Civil.

O título não se refere a uma enquete. Não há uma votação “você prefere o Capitão América ou o Homem de Ferro?”, nem comparamos no Google Trends o desempenho das hashtags #TeamCap e #TeamIronMan. O contexto político do filme “Capitão América: Guerra Civil” é uma das mais importantes questões sendo discutidas concomitantemente por todo o globo – mérito dos irmãos Russo por conseguirem traduzir a questão para a telona.

A dualidade vivida por Stark e Rogers representa uma descrença emergente nos modelos democráticos atuais – baseados majoritariamente em governos de representantes. Ainda que sob o contexto já um pouco clichê da polêmica de limites que um herói/vigilante deve ter, o filme vai além – diferentemente de Batman v Superman -, tratando uma dicotomia entre supervisão contra independência como tema central.

Essas duas palavras são as que fazem sentido no cenário interno do longa. No entanto, os heróis estão falando de representatividade. Colocar o poder de decisão todo em um grupo de representantes? Ou defender a própria capacidade de decisão?

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Nos representam cada vez menos

A supervisão defendida por Stark é a prestação de contas dos Vingadores ao mundo, na forma da ONU – o que, colocado dessa forma, é muito difícil de contra-argumentar. É um movimento que o próprio filme faz, dando a crer que Rogers é o incoerente da história. A decisão de Tony faz total sentido no arco do seu personagem no Universo Cinematográfico Marvel, como começamos a discutir aqui. Ele é assombrado pelo legado de sua empresa, e entra em um caminho eterno de prestações de contas.

Lembrando o arco de Rogers, começamos a criar sentido na sua resistência ao Tratado de Sokovia – um garoto com desejo de ir para o Exército, receber ordens e lutar até a morte, passa a assumir papéis crescentes de liderança, assistindo então às sujeiras das lideranças à sua volta ou acima, e perdendo a confiança nas mesmas. A S.H.I.E.L.D. e o próprio Stark, em “Vingadores: A Era de Ultron”, mostram que confiar nas instituições políticas atuais é, no mínimo, custoso.

Quando o Tratado de Sokovia coloca os Vingadores sob supervisão da ONU – leia-se, receber as missões de um grupo das Nações Unidas, não agir por conta própria -, o que existe é maior do que supervisão, é controle. O cenário apresentado difere de os Vingadores agirem e assumirem as responsabilidades de seus erros. A equipe receberia uma coleira.

Steve Rogers Guerra Civil

Capitão América assistindo à votação da Câmara de 17/04

É assim que o mundo, digo, os povos, se sentem cada vez mais em relação aos seus governos. Não nos sentimos, de fato, representados; nos sentimos cada vez mais manipulados. Veja bem, não estou aqui falando de uma falência do Estado. É uma falência da crença na classe política, esteja ela defendendo socialismo ou liberalismo econômico, como mostra o repórter Guga Chacra no Estadão.

À medida em que essa confiança se esvai, nos sentimos mais identificados com o Capitão América. Ele está disposto a assumir a responsabilidade por seus atos, todavia, quer seguir suas direções sem decisões prévias de terceiros. Os irmãos Russo e o time de roteiristas, brilhantemente, devo dizer, não transformam esse sentimento em um modelo político. Defender aqui algum modelo de liberalismo, socialismo, anarquismo, entre outros, afastaria pessoas de visões políticas distintas do Capitão, o que não pode ser o objetivo no filme em que este é o protagonista. Steve não tem a resposta. Ele tem o questionamento, talvez até a indignação. Convenhamos, não estamos todos nós com esse sentimento diante do quadro político brasileiro?

Tony facilita essa rejeição por Steve quando “protege” Wanda mantendo-a presa por Visão, e falando sobre como artigos dentro do Tratado podem ser alterados após a aprovação do mesmo. É a política como ela é, ou a “Velha Política”, nomeada (e executada…) por Marina Silva. Tony quer prestar contas, mas não muda o funcionamento do mundo. A causa do Capitão América é maior, é de ruptura, ainda que este não conheça uma resposta pronta.

No mundo real, organizações civis, financiamentos coletivos e até políticos alternativos como Bernie Sanders vêm ganhando destaque por seus ideais de quebra com essa lógica. Desde iniciativas e debates de planejamento de cidades junto à população até propostas tecnológicas para viabilizar a democracia direta, Guerra Civil mostra que o carisma do Homem de Ferro até nos prende. Contudo, estamos mesmo é no #TeamCap.


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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.

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