Nota do editor: esse é o segundo texto de uma série sobre nossa capacidade de formar opiniões. Em um tempo de visões acirradas, precisamos recuar e entender o que nos faz tão radicais. Seguimos com uma visão sobre agentes que moldam nossa opinião.
A espiral do silêncio é uma teoria proposta pela cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann, na qual afirma que a relutância individual em expressar uma opinião, simplesmente levando-se em consideração o que os outros vão pensar, tem uma importância social fundamental.
A teoria leva em consideração um fator indispensável – o medo de isolamento social. Este isolamento pode ser causado pela diminuição da interação social, ou por níveis menores de aceitação e/ou maiores de rejeição. Esse medo acaba resultando na ideia de que um universo social pode isolar, negligenciar ou excluir esses indivíduos devido às suas opiniões. Esse medo de isolamento consequentemente leva ao silêncio em vez de dar voz às opiniões.
Mas não são quaisquer opiniões. Considera-se que a espiral do silêncio é mais provável de ocorrer em assuntos controversos (política) ou que levam em conta elementos morais (religião), muitas vezes ocorrendo em grupos de estudo de igrejas e almoços de família, mas, também, via Facebook. Por isso, o ponto crucial é que as pessoas acreditam, consciente ou inconscientemente, que expressar uma opinião minoritária irá levar a repercussões negativas.
As pessoas se sentem mais confortáveis concordando com opiniões que sabem serem erradas do que contar aos outros as suas próprias, quando não são compartilhadas pela maioria. Por isso, indivíduos que, ao observar seu universo social, notam que sua opinião pessoal está se disseminando, expressam suas opiniões em público com confiança. Por outro lado, indivíduos que notam que sua opinião pessoal está perdendo espaço, sentem-se mais inclinados a adotar uma atitude mais reservada.
A tendência de um indivíduo se expressar e a de outro se calar inicia um processo de movimento em espiral que determina qual opinião é a dominante. Com o tempo, essa mudança de percepção determina uma opinião como majoritária.

O processo de silenciamento.
A teoria tem um conceito visual muito importante. O final da espiral se refere à quantidade de pessoas que não está publicamente expressando suas opiniões, devido ao medo de isolamento. Um individuo tem uma maior probabilidade de descer pela espiral se sua opinião não se molda à opinião majoritária.
Vamos a uma analogia prática e categórica. Olhe a imagem abaixo (não é uma ilusão de ótica, prometo):

Dá para ver que o silêncio é um lugar profundo.
Imagine-se como aquele que a fotografou. É como se você estivesse, com sua opinião, no topo dessa escada (vale notar que é uma metáfora; quem está no topo não é melhor que quem está na base). Mas sua opinião é minoritária e, com medo de se sentir excluído pelo seu universo social, você começa a se calar, até passa a concordar com a opinião majoritária, muito embora você não realmente concorde com ela.
Você, então, começa a descer por essa escada. Passo a passo, degrau por degrau, chega ao fundo. Ao chegar lá, as pessoas que estão no topo não conseguem mais te ouvir; sequer se importam que você esteja lá. Dessa forma, sua opinião deixa de ser relevante, e você é absorvido pela maioria.
No entanto, não é sua opinião que determina sua posição nessa escada metafórica, mas a sua disposição em silenciá-la, devido ao seu medo de um possível isolamento em seu universo social.
E a mídia?
Você poderia presumir que a mídia possui uma importância central nesse processo, e se estiver presumindo isso… você está certo. A mídia tem um papel fundamental, especialmente ditando qual é a opinião majoritária.

Não deveria ser um papel da mídia, mas é.
A espiral do silêncio é um processo dinâmico, e a mídia dominou esse processo como ninguém. Ela torna uma opinião majoritária ao, repetidamente, colocá-la como ponto central em um universo social. Ela então estabelece essa opinião como status quo, colocando a si mesma no topo da escada.
Essa opinião se torna majoritária não apenas porque é repetida à exaustão, mas porque as pessoas só podem compreender o mundo por intermédio de sua consciência, que é, em grande parte, criada pela mídia. Elas interpretam como real aquilo que veem como real; e essa realidade foi previamente estabelecida pela mídia, com seu status quo.
Mas há uma saída. A saída está na minoria loquaz (o complemento da maioria silente). Essa minoria tende a compreender as pessoas com um nível cultural maior (embora muitos, que comumente se enquadrariam aqui, tenham mostrado opiniões lamentáveis), ou aquelas que não temem o isolamento social. É mais provável que essas pessoas se expressem, a despeito da opinião pública. Essa minoria é um fator necessário de mudança, complementada pela maioria, que é um fator necessário de estabilidade, ambas sendo um produto da evolução. A minoria loquaz permanece no topo da espiral, em desafio à ameaça de isolamento.
O impeachment de Dilma é um ótimo exemplo:
Há alguns anos, o PT (sobretudo o Lula) estava no topo de sua história (alianças políticas, popularidade, etc.) e, portanto, estava no topo da escada. Falar mal de seu governo era um risco que poucas publicações corriam. Hoje, contudo, houve grande queda na popularidade e perda de alianças políticas, fazendo com que o partido tenha descido alguns lances de escada. Perceba como, dependendo do ambiente onde esteja, ou das notícias da mídia de maior alcance, falar coisas positivas sobre o PT tornou-se combustível de reações cada vez mais fortes. É o movimento de empurrar escada abaixo as opiniões pró-PT e suas políticas, fortalecendo as opiniões favoráveis a seus adversários.
Eduardo Cunha foi um grande agente desse movimento, sabendo manipular a escada. Por mais que muitos veículos e políticos apontassem o impeachment como uma luta contra a corrupção, essa nunca foi uma batalha expressa por Cunha. Afinal, ele conhece seu próprio calcanhar. No entanto, tendo a “luta contra a corrupção” como a opinião majoritária, ele apoderou-se do topo da escada como o realizador do impeachment, tido como a ação primária para erradicar os corruptos.
Para quem “lutava contra a corrupção”, por mais corrupto que o Cunha fosse, ele era “o mal necessário para tirar um mal maior”. Dessa forma, foi abraçado pela opinião majoritária. Quem não admitia Cunha foi sendo derrubado na escada de opiniões.
Há outros exemplos, certamente. Consegue pensar em algum?
Veja os outros textos da série aqui:
E a sua opinião? #1 – A falácia da imparcialidade
E a sua opinião? #3 – Você enxerga o mundo pela Janela de Overton
E a sua opinião? #4 – Quando a Opinião Vira Teoria Conspiratória
E a sua opinião? #5 – Uma defesa à hipocrisia
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Carioca, que abriu sua própria empresa para poder ter tempo de escrever e falhou miseravelmente. Uma pessoa intensa que encontrou na escrita a única forma de extravasar tudo que passa dentro de si.