Nota do editor: esse é o terceiro texto de uma série sobre nossa capacidade de formar opiniões. Em um tempo de visões acirradas, precisamos recuar e entender o que nos faz tão radicais. Audíveis ou silenciadas, vemos agora onde nossas opiniões se encaixam.

Você já deve ter escutado algumas vezes sobre o clichê de abrir a janela do quarto para enxergar o mundo fora de quatro paredes. Escutar o canto de pássaros ou o agito urbano, avistar o verde de árvores, sentir o cheiro de cimento, etc. Essa ideia fala de sair tanto do isolamento físico quanto do mental, mas pouco do campo de ideias horizontais à população – conceitos políticos, econômicos, sociais. A abertura para enxergar estes conceitos tem outro nome: Janela de Overton.

Ao contrário da metáfora em que se usa o retângulo na parede da própria casa, em que olhar através, para o horizonte, seria o “contramovimento”, a Janela de Overton entende-se como uma visão fechada – estamos sempre presos olhando através da mesma. O horizonte desta não é a liberdade, mas o status-quo, aquilo que conhecemos e tomamos por natural.

O Conceito

Cunhada por Joseph P. Overton, ex-Vice-Presidente do Mackinack Center for Public Policy (Centro Mackinac para Políticas Públicas, think-tank americano), a expressão traduz um conceito de comunicação, voltado para a relação da opinião pública com ideias políticas. Escolhendo determinado assunto, podemos imaginar um eixo com as possíveis variações de opiniões, com seus extremos determinados. A Janela determina o espaço de opiniões do eixo onde se encontra a opinião pública, um cercado, menor do que o universo existente entre os extremos.

Duas questões são importantes nesse entendimento: primeiro, um político, com suas aspirações pessoais ou propostas de campanha, depende de aceitação popular para se (re)eleger ou mesmo alavancar projetos. Dessa forma, a Janela serve como um ambiente seguro, determinando o espaço de opiniões que o político pode explorar sem “se complicar”. Se ele sai da Janela em direção a um dos extremos, adentra no seio das “polêmicas”, que em alguns casos podem custar sua carreira política.

Janela de Overton

Falta mesmo um pouco de simetria. De fato, a opinião pública raramente está no “centro” sobre um assunto.

A imagem acima mostra conceitualmente como há pouco espaço de opinião pública a explorar, em comparação a todo o espectro possível de ideias. Originado em um think tank defensor do livre mercado, geralmente os exemplos do modelo mostram um extremo como Mínimo de Intervenção Governamental, e o outro como Máximo de Intervenção Governamental. O modelo é poderoso o suficiente, no entanto, para não ficar restrito a essa forma de classificação. Serve bem para ambientes políticos, econômicos, sociais e mesmo artísticos ou científicos (em temas com inúmeras divergências e teorias, o mundo científico geralmente tem um grupo de ideias mais bem aceitas em sua comunidade, enquanto outras soam como loucura). Funciona até para conversas de bar ou natais em família.

Automóveis x Bicicletas no Brasil

Regiões turísticas e próximas à orla têm populações mais próximas a opiniões mais na esquerda da janela. Ainda assim, no Brasil, a visão do trânsito é primordialmente conservadora.

A segunda questão é que janelas, quando não emperradas, são móveis, e o caso de Overton não é diferente. O espectro de opiniões, como pode-se ver ao longo da história, é variável, o que se traduz no conceito pelo movimento da Janela no sentido de algum dos extremos. No caso do aborto, podemos comparar a mudança de políticas públicas entre o fim do século XX e o início do século XXI:

Aborto no Brasil 1990

Aborto no Brasil 2010

Naturalmente, se o intervalo das opiniões, e portanto, das políticas públicas, é mutável, podemos imaginar que ele também é manipulável.

A Manipulação

É nesse ponto que entra a maior beleza – e o maior perigo – da Janela de Overton. Assim como pode-se alterar uma proposta política, até que esta se encaixe no aceitável pela opinião pública, o contrário também é possível. Esse fato, isoladamente, não precisa ser lido como negativo. Quaisquer avanços sociais passam por esse movimento ao longo de anos. O trabalho de organizações como Think Olga, Geledés, ImaginaVc, entre outros, depende dessa potência.

O perigo, no entanto, naturalmente chama atenção. Bancadas políticas detêm grande alcance no meio capaz de gerar e aprovar as propostas, bem como conseguem amplo alcance para espalhamento de ideias na população. Pegue qualquer pronunciamento da presidenta Dilma ou do interino Temer, proposição de políticos (de Bolsonaro a Jean Willys), reportagem do Jornal Nacional: eles não estão apenas procurando se encaixar na Janela. Almejam movê-la em seus favores. Lendo a Espiral do Silêncio, você já conhece uma forma de mover a Janela e a atuação da mídia.

O simples desejo de mover a Janela não deve ser tão condenado, afinal, poderíamos aplicar o conceito em contextos bem pessoais, como nossa tentativa de gerar visões sobre nossa imagem, em nossos círculos sociais. Estes também carregam uma “opinião pública” sobre quem somos, que, por mais resistente, não é necessariamente fixa. O crucial é a consciência desse movimento – ou da tentativa de mover.

A importância dos extremos

Esse entendimento é importante também para revisar o papel de posições extremas. Estas são geralmente escrachadas, em quaisquer lados de toda disputa. Quem pretende ridicularizar uma visão de mundo oposta, procura sempre o extremo como parâmetro “médio” do outro grupo, a fim de associá-lo ao todo. Então, por que posições radicais continuam sendo defendidas, em quase todas as causas ou por grupos políticos?

Porque o radical é um dos maiores combustíveis de movimento da janela. Revisitemos por exemplo a situação das bicicletas. Digamos que sou um defensor de “Faixas protegidas para bicicleta em vias de grande circulação de bicicletas”. Em qualquer roda de bar ou comício político, eu tendo a ser contra-argumentado (no mínimo), ridicularizado, por defender uma proposta fora do escopo da opinião pública, vista como radical ou até impensável.

O curioso é que, mesmo entre meus críticos, a noção da escala está lá, ainda que implícita. Todos sabem ou são capazes de avaliar que “Automóveis banidos de muitas ou todas as estradas” é uma proposta bastante mais radical do que “Faixas protegidas para bicicleta em vias de grande circulação de bicicletas”. Portanto, se uma pessoa parceira da minha ideia se coloca a favor do caso extremo, antes que eu faça a defesa da minha proposta, o que ocorrerá? O foco do rechaçamento residirá nessa pessoa e em sua “proposta impensável”, enquanto a minha deixa de ser radical, e, mesmo que fora do padrão, passa a ser “mais viável pelo menos”, a circular ao redor das frases “não concordo, mas até é plausível”, entre outras possibilidades.

Essa estratégia é conhecida como “Door in the face” ou “Porta na cara”. Uma ideia estapafúrdia (ou simplesmente extrema) é apresentada para concentrar todos os ataques de contra-argumentações, enquanto uma ideia menos radical passa a ser melhor considerada, graças à comparação automática. É uma estratégia com riscos, claro, pois se as pessoas ou propostas forem associadas, a minha proposta pode acabar rechaçada junto à ideia mais radical que fora criticada, como o banimento de automóveis.

Outras estratégias são possíveis, como a incremental, onde começa-se de ideias menores, fazendo o opositor aceitar algo próximo do que acredita, para posteriormente acrescentar cada vez mais itens que se aproximem da sua proposta. As duas estratégias combinadas são responsáveis por quase todo movimento de opinião pública, se estruturando em modelos como a Espiral do Silêncio e outras teorias de comunicação. Desde os avanços sociais contra preconceito, aumentos de direitos de minorias, passando por questões polêmicas como a descriminalização de drogas e liberação do aborto, até retrocessos como a crescente vigilância e perda de privacidade ou as ideias Bolsonarescas.

Ficção e mundo real

Existem alguns exemplos de modelagens de situação com a visão da Janela de Overton. O mais famoso deles é o livro de Glenn Beck de título pouco direto, “A Janela de Overton”, trama ficcional que se apoia no conceito. A história não é boa, tem apenas os méritos de explicar a janela de forma didática, e demonstrar como ela pode servir a qualquer teoria conspiratória existente no mundo (a última frase acaba de passar um spoiler do próximo tema da série “E a sua Opinião?”).

A Janela de Overton

Best-seller mais ou menos, mas a ideia é boa.

Já no mundo real, um exemplo recente, como mostra o artigo de Paul A. Globe para o Euromaidan Press, site de notícias e análises sobre a Ucrânia, é o movimento da Janela da opinião pública russa, em sua visão sobre os ucranianos. Para quem não se recorda, vimos em 2014 uma invasão de tropas russas em território ucraniano, incluindo a derrubada de um avião civil em pleno ar por artilharia russa e a tomada da região da Crimeia. Conforme as intenções de Putin para o país vizinho, desde a crise instalada em 2014, a ideia de uma Ucrânia fascista – impensável a princípio para uma população russa próxima às fronteiras, cheia de relações e famílias com o outro país – vem sendo vendida através da mídia, por especialistas ou pseudoespecialistas, até chegar ao patamar de influenciar decisões políticas, via a estratégia incremental citada anteriormente. Acirrando as relações das populações próximas às fronteiras, Putin facilita a aceitação política de uma nova invasão ao país do Leste Europeu.

Putin na mídia russa

Invadir Ucrânia, invadir Ucrânia, invadir Ucrânia.

Outro exemplo histórico pode ser lembrado através do clipe Formation e a apresentação de Beyoncé no Superbowl. Sempre temos no pacifismo de Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela os ícones da luta contra o racismo. Formation homenageia Malcolm X, não por almejar uma visão radical de mundo, mas por reconhecer a importância do extremo. Como contemporâneo de Luther King, a visão e os métodos de Malcolm X representaram o extremo, o radical, conferindo razoabilidade à luta do primeiro. Não significa que a luta do Dr. King foi fácil – na dúvida, assista o filme Selma, por favor. Significa que a repressão seria ainda pior, concentrada, não existisse Malcolm X; menos pessoas brancas adeririam à luta de Dr. King, sem a razoabilidade percebida por elas ao comparar os métodos.

Conclusão

Qualquer opinião que você tenha, esteja dentro ou próxima ao senso-comum, se encaixa na Janela de Overton. Caso sua visão esteja fora em determinado(s) assunto(s), é provável que seja uma visão majoritariamente silenciada, como o Nicholas mostrou no texto anterior, e que deseje que a janela se movimente a seu favor. Entender a ideia pode facilitar a compreensão de muitos movimentos da classe política, de notícias da imprensa e mesmo porque, eventualmente, pensamos de forma tão diferente em um assunto.

Veja os outros textos da série aqui:

E a sua opinião? #1 – A falácia da imparcialidade

E a sua opinião? #2 – A Espiral do Silêncio

E a sua opinião? #4 – Quando a Opinião Vira Teoria Conspiratória

E a sua opinião? #5 – Uma defesa à hipocrisia


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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.

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