A Grande Beleza (2013) e Juventude (2015) são os dois últimos filmes do italiano Paolo Sorrentino. Antes deles, Sorrentino já havia conquistado reconhecimento por O Divo (2008), que conta a história do político italiano Giulio Andreotti, e por Aqui é o Meu Lugar (2011), sobre um rock star aposentado (interpretado por Sean Penn) que vive dos royalties da sua obra. Mas é ao ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro por A Grande Beleza que Sorrentino ganhou atenção internacional, e é nesse filme, bem como Juventude, que gostaria de me ater neste artigo.

Sorrentino deixa de trabalhar com personagens específicos, como foi o caso do personagem de Andreotti, e passa para um tema mais amplo. Em A Grande Beleza, temos a questão da… Beleza. E em Juventude temos como centro a… Juventude. Bom, aqui o leitor pode parar e pensar: “Mas isso é óbvio”. E, além disso, para uma crítica, não fica muito superficial e até certo ponto fácil de se situar apenas pelo título de um filme? Pode ser. Mas esse é apenas o início – a ponta do iceberg. E daqui partimos para uma jornada de dimensões complexas, uma viagem para o interior humano ao mesmo tempo em que exploramos o exterior, mostrando o quanto um está conectado ao outro.

Quando falamos de A Grande Beleza, o filme, pensamos inevitavelmente na grande beleza, agora em letras minúsculas, simbolizando esse ente abstrato que, por ter essa condição em estado puro, é de difícil apreensão. O que é a grande beleza? Iremos reconhecê-la quando andamos pela rua? Ela é algo grandioso? É na busca por respostas a essas perguntas (e muitas outras perguntas que possam surgir) que Paolo Sorrentino nos oferece nada mais que um lampejo, uma ideia; em outras palavras – e me apropriando de uma fala que aparece várias vezes ao longo do filme – um truque. É tudo um truque.

Todo truque tem um segredo escondido por trás, como no momento em que Jep Gambardella, nosso protagonista, vê uma girafa no meio de algumas ruínas romanas. Ela logo desaparece, e é nesse truque que reside a catarse, a reação que nos causa uma emoção. Há uma pureza naquele momento em que a girafa desaparece; é simples (uma ilusão ótica), mas nos causa algo, há um efeito. Mas os truques em A Grande Beleza acontecem inúmeras vezes ao longo do filme, depende de cada pessoa ver a beleza em cada cena.

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Outro segredo de um bom truque é causar uma distração para quem assiste a mágica acontecer. E em A Grande Beleza a distração está no “nada” que os personagens do filme vivem. Jep Gambardella escreveu apenas um livro na vida, depois disso apenas lidou com o “nada” que Flaubert gostaria de falar. E é a partir desse nada que a vida de Jep cria raízes: festas todas as noites, apresentações de artistas diante de um público vazio de cultura, e bastante álcool para completar. As relações pessoais de Jep são, em sua maioria, falsas, e ele edifica um mundo à parte, um mundo vazio, um mundo “nada”. O entorno, Roma, é apenas pano de fundo para o prazer mundano de pessoas vazias.

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Mas, como em um truque, vamos percebendo ao longo da história o quanto esse protagonista vê o mundo de uma forma diferente daqueles que o rodeiam. Já no início do filme temos sinais da forma como Jep observa o seu entorno, notando cada lampejo de beleza que ele encontra nas suas caminhadas por Roma. Às vezes esses lampejos são mais fortes, às vezes quase passam despercebidos e às vezes dependem do olhar de cada pessoa – alguns podem se enlevar por um cachorro que caminha pela rua, outros podem ver nisso apenas mais uma situação mundana.

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Temos outro sinal do quanto Jep percebe esse mundo de uma forma diferente quando seus amigos se questionam do porquê um poeta, recém inserido no grupo, está sempre calado; Jep responde no ato: porque ele está ouvindo. Isso é a fala de alguém que sabe quando o outro está procurando por algo a mais em meio ao mundano – alguém que procura a beleza (ele mesmo menciona estar “destinado à sensibilidade”).

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Esse olhar para o mundo vai mudando à medida que Jep se depara com a sua própria finitude. O tempo está passando, e essa sociedade rica e boêmia parece não perceber – mascaram a passagem do tempo com Botox e plásticas. Jep não, ele chora ao carregar o caixão de uma pessoa que ele mal conhecia, se emociona ao notar a passagem do tempo ao ver a exposição de um amigo que tirou um autorretrato a cada dia da sua vida, e, acima de tudo, chora ao saber que o seu antigo amor da juventude havia morrido. E é esse amor, e sobretudo uma lembrança específica desse amor, que Jep coloca em um pedestal para a sua grande beleza. Roma catalisa essa busca pela beleza (ele vê “os abatidos e inconstantes flashes de beleza”), mas é um momento específico ligado a esse amor da juventude, um lampejo gigantesco de beleza, que faz com que Jep perceba o oposto do “nada”, o outro lado que a vida pode oferecer. É através dessa descoberta, enraizada na sua juventude, que ele pode, enfim, escrever seu novo livro.

E é aqui que eu gostaria de fazer a ponte entre A Grande Beleza e Juventude.

Se A Grande Beleza trata de uma (re)descoberta através de laços com o passado, Juventude expõe esses laços já em franca decadência. A beleza aqui está na figura do artista, ou melhor, dos artistas. Temos um diretor de cinema, Mick Boyle (interpretado por Harvey Keitel) e um compositor, Fred Ballinger (Michael Caine), ambos lidando com as sombras do passado e a perda da juventude. Junto com eles – e funcionando como um contraste – temos o jovem ator Jimmy Tree (Paul Dano), que ainda está amadurecendo as suas ideias com relação a arte – como o seu ofício de ator pode lidar com as questões existenciais humanas (questões estas que acham lugar nos personagens de Fred e Mick).

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É como se os medos de Jep Gambardella em A Grande Beleza – medos como a morte e a busca pela beleza – fossem magnificados nos personagens de Mick Boyle e Fred Ballinger. Os dois procuram no passado uma tábua de salvação para justificarem as suas escolhas e, assim, poderem olhar o futuro – e a morte – como algo menos terrível. Ao longo do filme vamos vendo que os dois tomam caminhos diferentes para lidar com isso. Um deles, Mick, ao se ver em um beco de saída com relação ao seu futuro, ignora o passado de sucesso e tira a própria vida. Fred, por outro lado, sabe que não pode enfrentar o seu passado – ele é imutável – e se resigna diante do que o futuro pode oferecer a ele.

Enquanto que em A grande Beleza temos uma espécie de redenção do artista, em Juventude essa redenção se transforma em resignação e aceitação. A busca pela beleza se anula em Juventude pelo fato do passado atuar como um bloqueador do olhar mais artístico que o compositor e o cineasta precisam ter; em A Grande Beleza o passado atua como catalisador para o protagonista, que percebe a sua capacidade de descrever o presente a partir de uma visão do belo que teve na sua juventude.

Em suma, os dois filmes de Sorrentino lidam com a beleza mostrando-a como algo que está sempre diante da gente, mas que nós mesmos – através dos nossos medos, erros do passado ou entrega ao mundano e ordinário – desviamos o nosso olhar (A grande Beleza) ou simplesmente escolhemos apagar ele da nossa vida (Juventude).

Para finalizar, a ponte que procurei estabelecer não liga um filme diretamente ao outro, como se fosse uma sequência pensada pelo diretor. Não acredito que Sorrentino tinha isso em mente. Mas um serve como complemento ao outro no sentido de reforçar a ideia de que a busca pela beleza atua de diferentes maneiras, em diferentes momentos da nossa vida, e são, por fim, ligadas intimamente com o nosso presente, futuro, e, principalmente, com o nosso passado.


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Ama os bons filmes, as boas histórias e os personagens marcantes. Vê no cinema uma forma de compreender melhor a natureza humana e o mundo à nossa volta.


João Felipe Gremski

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