Nota: o texto contém spoilers do filme Missão Impossível – Efeito Fallout.
Como sabemos quem é mais capaz entre protagonista e antagonista?
Com essa pergunta, vamos começar uma série nova aqui no AdR. Pequenas lições de roteiro que podemos absorver diretamente de grandes cineastas e roteiristas. Lições que podem ser captadas em cerca de quatro minutos.
Vamos lembrar de Pantera Negra. Como sabemos quem é mais forte entre T’Challa (Chadwick Boseman) e seu vilão, Killmonger (Michael B Jordan)?
Fácil. É só fazermos um embate entre eles, certo?
É o que o roteiro gera no início da 2ª metade do filme, no evento que chamamos de Provação lá no texto sobre a Jornada do Herói. Os dois lutam, Killmonger vence de forma soberana e sabemos sem dúvidas que o poder do vilão é real.
Qual o problema nesse método?
Quando os dois têm um novo embate ao final do filme, a vitória de T’Challa é necessária para a história. Mas será que ela é convincente? Não fazia muito tempo, descobrimos que Killmonger era superior a T’Challa no mano a mano.

Para se tornar capaz de vencer, T’Challa completou uma transformação. Ela envolveu aprender novas técnicas de luta? Não. Aprender novos poderes? Não.
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Talvez o protagonista tenha vencido por ser mais capaz com a armadura do Pantera Negra. Killmonger tinha menos costume em seu uso. Mas o roteiro em nenhum momento indica que essa poderia ser uma diferença. Somos forçados pelo roteiro a acreditar que a transformação espiritual forneceu a T’Challa automaticamente mais capacidade de luta.
Essa “forçada” costuma passar batida pelo nosso engajamento com a história, mas ela ainda deixa um gostinho de algo estranho.
É isso que Christopher McQuarrie, roteirista e diretor do sexto filme da franquia Missão Impossível, evitou com uma solução simples e elegante, como ele conta nessa entrevista:
Se você já viu o filme (espero que sim, se chegou até aqui), sabe que a cena do banheiro é incrível. São vários motivos, mas na parte do roteiro, a habilidade de construir o embate entre Ethan Hunt (Tom Cruise) e August Walker (Henry Cavill) se destaca. Essa habilidade se resume a um fator: a introdução de Lark (Lyang Yang) como um inimigo em comum.
Essa introdução provoca oportunidades de duas formas: estilos de luta e comparação de capacidade.
Imagine que Ethan e Walker tenham estilos de luta diferentes e lutem entre si. A gente pode perceber que os estilos são diferentes, mas será que isso se deve ao fato de um estar reagindo ao outro?
Com um inimigo comum em Lark, os dois são comparados à mesma régua. Ao invés de se adaptar ao estilo um do outro, eles precisam lutar contra um terceiro estilo em comum. Se Ethan reage a esse terceiro estilo de uma forma diferente de Walker, como os dois estão sob a mesma medida de comparação, as diferenças se destacam.
Entendemos ainda melhor quem os personagens são através de um “mediador”.
A segunda oportunidade que McQuarrie destaca é a comparação de força. Voltando a pergunta inicial, quem venceria a luta entre Ethan e Walker? Não sabemos antes da cena do banheiro, e continuamos não sabendo após ela. Por quê? Porque os dois perdem para Lark.
Os dois personagens, mesmo com estilos diferentes, alcançam o mesmo resultado. Isso dá vulnerabilidade ao herói, como aconteceu em Pantera Negra, mas também dá vulnerabilidade ao vilão, o que não aconteceu em Pantera Negra.
McQuarrie consegue não dar um spoiler sobre o embate final, nem cria a comum “incoerência” de um vilão mais forte que o herói até que a história precise que o contrário aconteça. Quando o embate final de fato chega, qualquer resultado parece crível. A consequência para o público é uma tensão ainda maior, pois os riscos se tornam mais palpáveis.
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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.