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Olá, eu sou o Yann e esse é o quarto episódio do podcast do Além do Roteiro.

Avisos

Até o dia 31/01/2021, estão abertas as inscrições para o envio de projetos para o Guiões, um dos principais concursos de roteiro da língua portuguesa. Além disso, até o dia 03/02/2021, estão abertas as inscrições para o V Rota Festival, com categorias como:

  • Concurso de Roteiro de Curtas
  • Mostra de Curtas
  • Laboratório de Projetos de Série
  • Encontros de Negócio

As inscrições incluem uma categoria para longas metragens e outra categoria para séries, e os preços variam em inscrições até 30/11/2020 e inscrições até 31/01/2021.

Abaixo você encontra o link para adicionar seu currículo no Banco de Talentos da produtora Conspiração Filmes.

Banco de currículos da Conspiração Filmes

Nesse período os seguintes roteiros foram adicionados no repositório:

Filmes:

  • Paper Moon_-_Alvin Sergent – 1973
  • Liar Liar_-_Paul Guay & Stephen Mazur – 1997
  • The X Files_-_Chris Carter – 1998
  • Olympus Has Fallen_-_Creighton Rothenberger & Katrin Benedikt – 2013
  • Crawl_-_Michael Rasmussen and Shawn Rasmussen – 2019
  • Doctor Sleep_-_Mike Flanagan – 2019
  • Midway_-_Wes Tooke – 2019
  • Serenity_-_Steven Knight – 2019
  • Sound of Metal_-_Darius Marder and Abraham Marder – 2019
  • The Gentlemen_-_Guy Ritchie and Marn Davies & Ivan Atkinson – 2019
  • Zombieland – Double Tap_-_Rhett Reese & Paul Wernick – 2019
  • Antebellum_-_Gerard Bush & Christopher Renz – 2020
  • Borat Subsequent Moviefilm_-_Sacha Baron Cohen & Anthony Hines & Dan Swimer & Peter Baynham & Erica Rivinoja & Dan Mazer & Jena Friedman & Lee Kern – 2020
  • Da 5 Bloods_-_Kevin Willmott & Spike Lee – 2020
  • Emma_-_Eleanor Catton – 2020
  • Extraction (Dhaka)_-_Joe Russo – 2020
  • French Exit_-_Patrick deWitt – 2020
  • Herself_-_Clare Dunne & Malcolm Campbell – 2020
  • I Carry You With Me_-_Heidi Ewing and Alan Page Arriaga – 2020
  • I’m Thinking of Ending Things_-_Charlie Kaufman – 2020
  • I’m Your Woman_-_Julia Hart & Jordan Horowitz – 2020
  • Kajillionaire_-_Miranda July – 2020
  • Never Rarely Sometimes Always_-_Eliza Hittman – 2020
  • On the Rocks_-_Sofia Coppola – 2020
  • One Night in Miami…_-_Kemp Powers – 2020
  • Palm Springs_-_Andy Siara – 2020
  • Prom_-_Bob Martin& Chad Beguelin – 2020
  • Saint Frances_-_Kelly O’Sullivan – 2020
  • The Climb_-_Michael Covino & Kyle Marvin – 2020
  • The Father_-_Florian Zeller and Chirtopher Hampton – 2020
  • The King of Staten Island_-_Judd Apatow & Pete Davidson & Dave Sirus – 2020
  • The Trial of the Chicago 7_-_Aaron Sorkin – 2020
  • The Personal History of David Copperfield_-_Simon Blackwell & Armando Iannucci – 2020
  • Judas and the Black Messiah_-_Will Berson & Shaka King – 2021
  • The Little Things_-_John Lee Hancock – 2021

Séries:

  • Killing Eve 1x01_-Nice Face-_Phoebe Waller-Bridge
  • Parks and Recreation 2×06
  • Parks and Recreation 3×15
  • The Americans 1x01_-Pilot-_Joe Weisberg
  • The Americans 5x13_-The Soviet Division-_Joel Fields & Joe Weisberg
  • The Marvelous Mrs Maisel 1x01_-Pilot-_Amy Sherman-Palladino
  • Utopia_1x01_-_Pilot

A campanha no Apoia.se segue no ar com dois níveis de contribuição. O primeiro nível, Créditos, inclui contribuições a partir de R$ 5,00, para você ajudar a manter esse trabalho custeando a hospedagem do site, os servidores e a produção do Podcast considerando todos esses roteiros que eu mantenho atualizados no repositório, lembrando que são mais de 1100 lá na pasta, e considerando os eventos do calendário de eventos e por aí vai.

O segundo nível de contribuição, a partir de R$ 15,00, é onde você participa do grupo exclusivo no Telegram. Vamos fazer leituras de roteiros com esse grupo, para compartilharmos os nossos próprios projetos, comentarmos e nos ajudarmos.

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Introdução

“Quatro pessoas estão sentadas à mesa, conversando sobre baseball ou qualquer coisa que você queira. Cinco minutos disso. Bem banal. De repente, uma bomba explode. Desfaz as pessoas em pedacinhos. O que o público tem? Dez segundos de choque. Agora, pegue a mesma cena e mostre ao público que há uma bomba sob a mesa e que ela vai explodir em cinco minutos. Bem, toda a emoção do público será completamente diferente, porque você deu a ele essa informação”.

Essa fala sobre suspense não é minha. É uma das falas mais famosas de Alfred Hitchcock, o famoso mestre do suspense no cinema.

Eu trago essa fala aqui porque ela nos diz alguma coisa sobre tensão.

A grande maioria dos livros de roteiro não define o conceito de tensão. Talvez muito sabiamente. Alguns dos livros que eu citei anteriormente no podcast, Story de Robert McKee, o Manual do Roteiro de Syd Field ou Creating Character Arcs de K M Weiland, citam o termo “tensão” sempre como algo previamente estabelecido. Dizem que tal coisa aumenta a tensão. Tal coisa cria tensão. Mas sempre parte-se do princípio de que quem está lendo o livro entende o que é tensão.

Um outro livro, “A Anatomia da História”, de John Truby, com mais de 500 páginas formando um dos mais completos livros do ramo, apresenta definições e referências para muitas técnicas e conceitos que não estão presentes na maioria dos outros livros. Sabe quantas vezes a palavra tensão aparece no livro de John Truby? Exatamente zero vezes.

Isso não é um problema. É difícil definir uma emoção e os livros de roteiro não se preocupam em tentar dizer o que é felicidade, por exemplo. Basta dizer o quê, na visão dos autores, precisa acontecer para o público ficar feliz.

É a mesma coisa com tensão.

David Trottier dá um excelente exemplo em seu livro “The Screenwriter’s Bible”. Ele fala da cena da execução na cadeira elétrica no filme “À Espera de Um Milagre”. Quando o guarda Percy não molha a esponja que será usada na execução, ninguém mais no filme sabe, mas nós, o público sabemos. A cena passa a ser uma tortura muito antes da execução começar, pela tensão criada por essa dinâmica.

Eu tenho pensado muito sobre essa emoção. Esse aperto no peito que sentimos acompanhando uma história, que vai nos deixando ofegantes ou com olhos arregalados. Que faz quase não aguentarmos mais assistir a uma cena. Que, mesmo assim, nos deixa presos à história, sentados na ponta do sofá ou virando páginas ou maratonando episódios por toda a madrugada.

Eu tenho pensado sobre isso porque é uma das coisas que estou tentando absorver na minha escrita no momento. Seja em um episódio de série de comédia ou em um longa policial, eu quero gerar essa sensação no público, mesmo que de maneiras diferentes de acordo com o gênero.

Por isso, nesse episódio, ao invés de trazer um livro como referência ao conceito, eu vou investigar uma obra que me gerou essa sensação e tentar entender como a obra conseguiu isso.

Eu te convido a mergulhar comigo no episódio Piloto de uma série que mora no meu coração, o episódio The Beach (A Praia), da minissérie de 2016 The Night Of, da HBO.

Pré-Piloto

Meu interesse nesse tópico começou há alguns anos com um vídeo maravilhoso de um canal do YouTube chamado CineFix. No vídeo, chamado “1 momento brilhante de tensão“, o canal disseca como Denis Villeneuve construiu a tensão até uma cena no midpoint do filme Sicario.

Eu fiquei impactado com aquele vídeo e resolvi aplicar o que aprendi ali nesse piloto de The Night Of. Na época, eu fiz isso através de um texto aqui no site.

Só que na época eu era apenas um entusiasta que nunca havia escrito um roteiro. Como seria fazer esse mesmo exercício hoje, que sou um roteirista e tenho o desafio de conseguir criar essa tensão para o público?

A primeira coisa que eu fiz foi reassistir ao Piloto da série. Como fã, eu defendo a ideia de que The Night Of é uma série muito pouco falada pra qualidade que tem. Ela foi criada por Richard Price, um dos roteiristas de nada menos do que The Wire, e por Steven Zaillian, roteirista de nada menos que A Lista de Schindler, O Irlandês, o primeiro Missão Impossível, Gangues de Nova York, entre outros.

O piloto é assinado por Richard Price no roteiro e Steven Zaillian na direção.

Infelizmente, eu não tenho esse roteiro em pdf para estudo. O que significa que vamos ter que fazer o mergulho na versão mais oficial possível do roteiro: o próprio episódio exibido na HBO.

Mas eu me distraí aqui. Eu dizia que fui reassistir ao Piloto. Eu lembrava bem de vários elementos do episódio. Eu sabia de cor as viradas, quando eventos importantes aconteciam. Eu meio que sabia até o que me deixaria tenso e quando. Então eu fui preparado pra fazer anotações enquanto assistia. Mas logo no início eu desisti. Estou estudando tensão. Mesmo que eu lembre de tanta coisa, eu quero ver se o episódio continua me gerando esse efeito.

Eu terminei o episódio indo deitar no sofá pra me recuperar.

Como eu disse, sou fã. Não digo que todo mundo vai sentir a mesma tensão que eu sinto com esse episódio. Mas à medida que os minutos e as cenas passavam, eu ia parando de antever o que ia acontecer e mergulhando na sensação de ser o jovem Nasir Khan na maldita noite que muda toda a sua vida.

Passado um tempo pra eu me recuperar, vamos dissecar como essa tensão foi construída.

The Beach

Logo após a entrada com toda a pompa que as séries da HBO costumam ter, vem a primeira bomba de tensão. Um professor escreve no quadro negro o Teorema de Stokes.

Bem, na verdade eu tenho que confessar que essa cena é bem comum. Naz, o protagonista interpretado por Riz Ahmed, está em uma sala de aula de faculdade. É uma cena de exposição, nos colocando no ambiente comum de Naz, apresentando um perfil para o personagem a partir do tipo de aula que ele acompanha.

Essa cena só é tensa para mim porque o Teorema de Stokes, que praticamente ninguém que ouve esse podcast vai conhecer, é uma matéria dada em Cálculo nas graduações com disciplinas de Exatas como a Engenharia. No meu caso, foi dado em Cálculo III, a matéria que mais me gerou pesadelos em toda a faculdade. Então se o jovem Naz ansiava viver algo diferente de sua bolha como veremos mais à frente, bem, eu entendo esse sentimento perfeitamente.

As primeiras cenas são desenhadas para apresentar Naz em seu ambiente típico. Seja essa primeira aula, seja acompanhando o treino de basquete de colegas da faculdade. Ele é monitor de um dos atletas. Mas já é nesse primeiro minuto e meio de série que um chamado à aventura é apresentado, sutil, sem estardalhaço. Um convite para uma festa. A forma como Naz reage ao convite já mostra como ele é um peixe fora d’água, e como deseja mergulhar.

Continuamos absorvendo a vida de Naz. Sua família é muçulmana. Sua mãe não gosta da ideia de ele ir à festa. Apesar disso, ele não recusa o chamado em momento algum. Ao invés da recusa, a história joga um obstáculo para Naz. Seu amigo, Amir, que iria dirigir, não poderá mais ir à festa.

É aí que Naz toma a decisão que faz The Night Of acontecer. Ele pega a chave do táxi do pai escondido e sai com o carro para a festa.

Nesse ponto é bom frisar como a obra audiovisual é complementada pelas diferentes especialidades. Seja na montagem ou na direção ou em outras expertises, a decisão foi de mostrar a entrada da casa vazia, enquanto lá fora Naz dá a partida no carro e apenas ouvimos. Na tela, aparece a data, lentamente.

Em primeiro lugar, por que vemos essa data? Essa pergunta vem à nossa mente, instintivamente. Só que não há uma resposta óbvia. Com 5min de episódio, não tivemos nenhuma evidência que possa mostrar a importância de sabermos que data é aquela. O que já prenuncia que a importância dessa data está nos acontecimentos futuros. Algo está começando ali. Essa subjetividade, essa falta de uma resposta objetiva e óbvia, já é um elemento de tensão, ou no mínimo de expectativa.

Não sabemos como o roteiro foi escrito, se houve alguma decisão para gerar essa tensão no roteiro ou em alguma etapa posterior na produção, mas é interessante pensar em como já conseguiríamos criar esse sentimento ainda nas páginas do roteiro.

Você consegue imaginar essa cena escrita?

Eu imagino algo como:

INT. HALL DE ENTRADA – CASA NASIR – NOITE

O RONCO do motor do táxi lá fora sinaliza a partida do carro.

Silêncio na casa. Apenas o TIQUE de um relógio preenche o espaço.

INSERIR: 24 DE OUTUBRO DE 2014

Essa é uma descrição que eu fiz que tem algumas nuances. Quebrar a linha entre “a partida do carro” e “Silêncio na casa”, por exemplo, pode dilatar o tempo, um dos elementos da cena. Caso a segunda frase exista na mesma linha da primeira, a sensação de velocidade que isso passa para a filmagem da cena já pode reduzir essa tensão. Mas será que isso já é suficiente? Na minha cabeça, uma ideia que veio para adicionar mais tensão é, após a frase “Apenas o tique de um relógio preenche o espaço”, completar com o próprio efeito sonoro. Quebrar a linha e, abaixo:

TIC… TAC… TIC… TAC…

Eu ainda colocaria reticências após cada tic para reforçar a sensação de dilatação. Mas é inegável o papel das várias outras expertises do audiovisual na criação de tensão dessa cena. Se você quiser me mandar como escreveria essa cena, posso trazer no próximo episódio do podcast para comentar aqui.

Nesse ponto acontece inclusive uma virada de Ato. Em apenas 5 minutos já tivemos o necessário de apresentação e o protagonista já tomou uma decisão que muda o rumo de sua história.

Então acompanhamos Naz no carro, navegando pela cidade. Parece tudo certo e ele se aproxima do pedágio.

De repente vemos Naz passar através das câmeras do pedágio.

Esse é mais um ponto onde não posso dizer se as decisões foram feitas no roteiro, depois, ou em algum misto. Mas eu consigo imaginar o roteiro, sem especificar nada técnico sobre as câmeras, apenas apontar uma mudança de ponto de vista para as câmeras de segurança do pedágio.

Pensa aqui comigo, o que essa decisão gera? Em mim, ela gera tensão. Veja bem, eu não estou ainda na ponta do sofá, ofegante. Mas algo já começou a se mexer dentro de mim. Uma curiosidade somada a uma preocupação, um receio. Por quê?

A obra não se aproveita somente das técnicas cinematográficas disponíveis pela tecnologia ou pelas teorias do cinema. Ela se aproveita também do nosso próprio conhecimento de narrativa como público, o conhecimento intrínseco que cresce à medida que assistimos a mais e mais filmes e séries. Quem minimamente viu o pôster da série, uma sinopse, um trailer, ou mesmo só ligou a TV e acompanhou o episódio desde a entrada, já recebeu uma enxurrada de informações do gênero dessa série: suspense policial.

Pode até vir a ser um suspense diferente. Parece que o nosso protagonista é alguém bem diferente de um detetive. Mas vários elementos nos informam que estamos dentro desse gênero. E com isso, nós mesmos, como público, já projetamos uma série de expectativas. Esperamos por alguns beats específicos, algumas viradas, alguns clichês, alguns arquétipos de personagens.

Quando vemos uma cena através de uma câmera de segurança em uma obra de gênero policial, nós sabemos que vai dar merda. Basta fazer essa escolha de mudança de ponto de vista para a obra se aproveitar de todo um arcabouço narrativo que já reside no público.

O que eu mais gosto dessa decisão é que estamos acostumados a ver relances de que uma câmera estava filmando, ou simplesmente aprendemos sobre uma filmagem de segurança com as personagens que realizam a investigação pedindo por essas filmagens. Aquela coisa, a policial chega na loja de conveniência e já procura a câmera. Aqui, nós vemos através da imagem da câmera antes que qualquer coisa aconteça. O recurso foi usado como um prenúncio – da mesma forma que a data aparecendo na tela, que destaquei antes.

Estamos investigando como The Night Of conseguiu gerar a tensão que eu senti em seu episódio Piloto. Parece que temos a primeira lógica que se repete: recursos que indicam, seja pela técnica cinematográfica ou pelas convenções de gênero, que algo está por vir.

Em seguida, Naz segue viagem e aprendemos duas coisas:

  1. ele não sabe como chegar à festa;
  2. pessoas pedem viagens em seu táxi.

Naz então para o carro para arrumar a luz que indica que não está em serviço, e dois homens entram. Ele tenta avisar que não pode levá-los, eles recusam e um carro de polícia aparece. É a primeira aparição da polícia, reforçando o gênero no qual estamos inseridos.

Nesse momento, Naz escapa, mas antes que ele dê a partida de novo, uma jovem entra em seu carro. Naz não consegue tirá-la do táxi. Sua falha entra em ação.

Andrea pede para irem a um lugar impossível em Nova York, a praia. Esse pedido, somado a todo o jogo de se verem apenas pelo retrovisor, apresenta a jovem como o mistério da história.

Essa é a segunda decisão relevante de Naz. A primeira é pegar o táxi escondido. Agora, ele está desistindo da festa para levar essa jovem até onde ela quer ir, ou no caso um plano B, um rio.

Naz então para em um posto de combustível e um novo recurso é somado aos anteriores pela série. Um encontro aleatório com um personagem novo.

Um carro de funerária está ao lado do táxi e o motorista confronta Andrea após ela jogar um cigarro no chão do posto.

Enquanto isso, Naz faz compras na loja de conveniência e o vemos passando pela porta através da câmera de segurança da loja. Por fim, ainda vemos o carro sair pela câmera de segurança do posto.

O que estamos vendo aqui? Antes eu coloquei que os recursos que a série vinha usando tinham uma lógica: eles indicavam que algo aconteceria mais à frente, algo relevante.

Nós ainda não chegamos nesse algo relevante, mas vimos mais câmeras. Esse recurso das câmeras já adicionava tensão por sabermos que são elementos usados em investigações, mas ele havia acontecido uma vez. Agora nós já vimos as imagens de várias câmeras. Temos uma trilha sendo criada, uma série de aparentes pistas.

Isso planta no nosso cérebro a ideia de que alguém deve encontrar essa trilha, afinal, uma obra audiovisual não planta essas pistas à toa. E essa trilha provavelmente criará problemas para Naz.

Além disso, Andrea jogar um cigarro no chão de um posto de gasolina, o carro de funerária e a postura do motorista se somam ao encontro com os dois homens que tentaram viajar no táxi antes. Um deles xingou Naz antes de sair. O motorista do carro de funerária pergunta para Andrea se ela quer ser a próxima passageira do seu veículo.

Esses diálogos, com toda a ambientação feita, funcionam como indícios de violência e morte.

Estamos vendo uma trilha de pistas sendo plantadas e recebemos a promessa de violência e morte. A soma disso só pode resultar em tensão. E ainda estamos no minuto 12.

Mas uma coisa que não podemos esquecer é que esse propósito de criar tensão não funciona como um pisão no acelerador sem jamais dar um respiro. Até um filme como Mad Max – Estrada da Fúria, tem momentos de respiro, oscilando a energia e a tensão da história.

O objetivo que eu sinto nesse episódio não é criar tensão de forma alucinante e acelerada, mas plantar elementos que vão aumentando a suspeita, o desconforto. Para algumas pessoas ele pode parecer lento demais em sua proposta.

O episódio caminha para um desses momentos de respiro agora, na chegada ao rio. Esse momento serve para aprofundar o caráter de Nasir, a conexão que ele sente com Andrea e também sua falha, ao mostrar como ele toma a decisão de aceitar a droga que Andrea oferece.

O roteiro poderia facilmente ir direto disso para a casa de Andrea, mas um novo encontro é adicionado. Andrea e Naz passam por dois homens. Um deles é preconceituoso com Naz, falando de bombas em referência ao contexto da guerra ao terrorismo. Naz responde e mais uma vez a violência está embutida no diálogo. O outro é misterioso, encarando Naz com um olhar que pode ser interpretado como mais violento. Mas sua atenção pode ir em outra direção. Depois de algumas câmeras registrando o caminho de Naz nessa noite, esses dois podem ser testemunhas. A trilha de pistas aumenta.

O encontro de Naz e Andrea segue no ambiente com luzes avermelhadas, uma cabeça de veado bizarra, bebida, cocaína e eventualmente uma brincadeira com uma faca que termina em Naz perfurando a mão de Andrea. Com o consentimento dela, só pra marcar. E eles transam. Esses elementos espalhados na cena fazem parte do jogo de sedução entre os dois, de questões internas dos personagens, mas também atuam na construção de tensão, que é o meu foco aqui: as promessas de violência e de risco vão se acumulando com o jogo de faca proposto por Andrea, com a bebida e as drogas.

Mas nós ainda não temos um motivo para nos sentar na ponta do sofá. No minuto 27, ele chega. Naz acorda em outro cômodo. Volta ao quarto escuro e ao acender a luminária, encontra o corpo de Andrea. Morta por dezenas de facadas.

Vamos voltar ao que falou Hitchcock. Isso é uma surpresa, ou suspense? Estamos na situação do choque de 10 segundos, ou dos 5 minutos de pura tensão sabendo algo que os personagens não sabem?

É bem evidente que é uma situação de surpresa. Teremos os 10 segundos de choque. Não é bem o que Hichcock indica.

Mas tem algo mais aí. Nós estamos um pouco além de um quarto da história. Basicamente, em uma importante virada de Ato. Aplicar a estrutura de Três Atos não é exatamente o padrão para um episódio de série dramática, mas se fôssemos projetar os três Atos sobre esse episódio, sem dúvida esse momento seria o ponto de virada do Ato I para o Ato II.

E quais perguntas dramáticas ficam postas para nós, enquanto público?

  • Será que foi Naz que matou Andrea?
  • Será que ele consegue escapar?

O episódio segue tentando responder a segunda pergunta, se Naz escapa, enquanto a primeira é deixara para a temporada investigar. Mas imagine se esse encontro de Naz e Andrea fosse a primeira cena do episódio? Ou se não tivéssemos toda a trilha de pistas que anunciavam que algo daria errado?

Então a cena de Naz encontrando Andrea ficaria resumida ao choque. Porque não teríamos a bagagem que infla esse momento e suas consequências com tensão.

Naz sai correndo da casa tentando escapar. Mas nós sabemos a trilha de pistas que podem se voltar contra ele quando ocorrer uma investigação, uma trilha da qual ele sequer tem consciência. O artifício de suspense de Hitchcock estava espalhado ao longo do episódio, com a diferença de que nós mesmos, o público, não tínhamos informações claras da “bomba”, do que iria explodir.

Nesse momento, nós temos as seguintes informações:

  • Andrea foi morta a facadas e Naz é o principal suspeito – disso todos nós sabemos;
  • Conhecemos uma série de pistas que ele também conhece, como a faca com o sangue na casa;
  • Conhecemos uma série de pistas que Naz não conhece, como as filmagens no caminho e possíveis testemunhas;
  • Não sabemos se foi Naz quem matou, e talvez nem ele mesmo saiba;

Temos três níveis de informações em ação. O que nós e o protagonista sabemos, o que nós sabemos e o protagonista não sabe, e o que ninguém sabe.

Essa soma de níveis diferentes de informações é o principal combustível para a tensão explodir daqui para a frente no episódio. E o roteiro faz isso acontecer tentando responder aquela segunda pergunta dramática: será que ele consegue escapar?

A tentativa de Nasir de escapar, que começa no minuto 28, já é cruzada pela polícia no minuto 31. E aí mais uma coisa interessante acontece, mais um nível de informação:

  • Nós e Nasir sabemos de coisas que os policiais não sabem.

Naz é parado por virar em uma esquerda proibida, um erro coerente com seu estado mental. Algo tão minúsculo coloca tudo a perder. Não sabemos se ele escapa desses policiais ou não. Eles percebem que o protagonista está drogado. Até que eles são chamados para cuidar de um arrombamento denunciado por um vizinho. Os policiais acabam levando Naz junto.

A casa arrombada é justamente a casa de Andrea. Naz precisou quebrar o vidro para entrar na casa e recuperar a chave do táxi e seu casaco. Ele acabou pegando também a faca, que ele e Andrea usaram no jogo com a mão, a faca que aparentemente é a arma do crime. E escondeu a faca em seu casaco.

Naz fica preso no banco de trás do carro de polícia, encarando a porta da cena do crime enquanto os policiais averiguam a situação. Não sabemos se o vizinho vai reconhecê-lo. Não sabemos se o corpo vai ser encontrado.

É aí que o roteiro vai exibindo sua expertise. Precisamos fazer a vida de nossos personagens difícil. Precisamos jogar obstáculos, conflitos, em sua direção. Mas se o vizinho reconhece Naz… acabou o episódio. Não tem escapatória, ele vai ser preso. Nós precisamos manter a tensão, a pergunta no ar. Será que ele escapa? Então o vizinho não reconhece. Mas outros policiais chegam na cena e o corpo de Andrea é encontrado.

O arrombamento virou um homicídio.

Estamos acompanhando tudo isso presos dentro do carro com Naz.

É interessante que nesse momento, na metade do episódio, pela primeira vez somos apresentados a outros pontos de vista: o detetive Box, que precisará investigar o crime, e a policial Wiggins que prendeu Naz e só quer terminar seu turno sem hora extra. Ter esses outros pontos de vista reforça aquele desnível de informação entre nós, Naz e os policiais, já que Box e Wiggins são protagonistas de algumas cenas. Além de impulsionar a ironia pela proximidade física entre esses personagens e o protagonista em vários momentos, uma ironia que a cada vez que ocorre adiciona um momento de tensão.

Naz acaba levado para a delegacia. Ele tem sangue em sua mão, o que ainda não foi notado. Ele chega a ligar para casa, mas desiste antes que os pais acordem para atender. Ele pensa em fugir da delegacia enquanto ela está vazia e os policiais estão desatentos, e se aproxima aos poucos da porta.

Se pensarmos em termos de ações, o tempo de Naz na delegacia é bastante monótono. Mas a quantidade de elementos narrativos que se acumulou até ali faz com que cada segundo monótono se torne sofrimento, se torne parte da tensão.

Essa tensão, que veio sendo plantada desde que Naz partiu com o carro do pai e que escala a partir do momento em que Andrea aparece morta, chega ao seu ápice. Naz vai ser liberado pela polícia, mas antes ele precisa ser revistado. Ele põe as mãos em uma grade, a sujando de sangue, enquanto é revistado pela policial Wiggins, cercado por mais dois policiais e o detetive Box, cada um realizando suas atividades. O roteiro ainda é cruel, esticando esse momento de maior tensão ao máximo e criando um paralelo. Enquanto um policial pede informações de Naz, Box lê informações da vítima, Andrea.

A revista de Naz dura 100 segundos.

E então, a policial puxa a faca do casaco de Naz, com Box ao fundo, descobrindo sua existência enquanto narra informações sobre a arma do crime.

São cerca de 40 minutos de construção de tensão, pouco mais de 20 minutos com escalada íngrime.

Quando Naz vai ao chão derrubado pelos policiais, gritando que não fez nada, nós finalmente podemos respirar normalmente, com a tensão liberada, ainda que com a tristeza pelo protagonista.

Conclusão

O que eu tiro desse episódio sobre tensão?

A primeira coisa, que também foi mostrada naquele vídeo sobre Sicario que eu mencionei lá no início, é a discrepância entre o tempo de construção de tensão e o tempo de liberação. Lá no caso de Sicario, cerca de metade do filme se passou para que a cena do midpoint chegasse e apresentasse segundos de liberação.

Aqui em The Night Of, cerca de 40 minutos foram costurados para um ápice de 100 segundos rangendo os dentes, e depois o momento de liberação com Naz sendo preso.

Essa observação diz algo parecido com a fala de Hitchcock, ainda que não do mesmo jeito. Se já começamos numa cena explosiva, onde todos os riscos estão no limite, como é o momento da prisão, o que sentiremos serão os 10 segundos de choque com o resultado da cena. Mas construir elementos até a cena explosiva por metade de uma história nos fará sentir o suspense desde antes da cena explosiva até toda a sua duração.

A segunda coisa que vejo é o controle da informação, que também está na fala de Hitchcock. Como The Night Of estava trabalhando com um episódio inteiro ao invés de uma só cena, o tempo permitiu que vários níveis ou desníveis de informação fossem plantados. Havia diferença entre o conhecimento do público, do protagonista e dos personagens secundários com suas próprias histórias. Somado a isso, no fundo, o desconhecimento do próprio público e do protagonista sobre a própria culpa do crime.

Com isso, torcemos por Nasir e ao mesmo tempo ficamos na dúvida em alguns momentos se devemos de fato torcer por ele. Toda essa mistura de informações e sentimentos ajuda a criar essa sensação tão desconfortável no corpo que é a tensão.

A terceira coisa é que informações também são promessas. Por exemplo, quando Naz recupera a faca na casa de Andrea ao buscar de volta as chaves, quando ele esconde a faca no bolso, nós vamos passar o tempo todo nos perguntando se essa faca será encontrada. Ela é uma peça chave para o conflito entre ele e a polícia, ela é importante demais para não ser descoberta.

Esse tipo de promessa foi feita desde o início do episódio, desde que a data apareceu sobre a tela, como um aviso. As promessas de violência, de morte, e de descobertas investigativas com as câmeras, foram espalhadas ao longo de todo o episódio, de forma que quando Naz é preso, um dos gostos que fica é o do inevitável. Ele não tinha como escapar.

E junto a isso fica a pergunta se ele conseguirá escapar dali em diante, preso.

Mas essa resposta eu vou deixar pra quem ainda não viu a série descobrir por si só. Não quero passar por essa tensão sozinho.

Esse é quarto episódio do podcast do Além do Roteiro e o primeiro de 2021. O próximo episódio virá bem mais rápido e ainda vai falar de tensão, dessa vez reclamando um pouco. Vou falar de um episódio da série The Mandalorian, acho que preciso tomar cuidado.

Reforço que a transcrição desse episódio está lá no site, com os links de todas essas referências citadas ao longo do programa. A campanha do Apoia.se segue no ar. Estou adicionando vários roteiros novos no repositório e já temos eventos entrando no calendário em 2021 como o Rota. Inclusive, espero trazer novidades sobre isso no futuro.

Te espero no próximo episódio. Até breve!

Apoie o Além do Roteiro

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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.


Yann Rodrigues

Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.

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