Para muitas pessoas, Game of Thrones é uma das melhores séries da atualidade (senão a melhor), e isso se deve à história brilhante, aos personagens, aos efeitos especiais, etc. A série foi marcada por momentos controversos, como a execução de Ned e o Casamento Vermelho, ocasiões que geraram uma comoção enorme mundo afora.
Mas o texto não é sobre esses momentos. É sobre os outros.
Por que, nesse interim, Game of Thrones é tão parado?
A série tem uma característica que acabou se tornando sua marca: em todo episódio 9, algo muito impactante acontece: a morte de Ned (1ª Temporada), a Batalha da Água Negra (2ª Temporada), o Casamento Vermelho (3ª Temporada) e a Guerra na Muralha (4ª Temporada).
Mas, nesse meio termo, a série realmente é parada, movendo-se com a velocidade de uma lesma com caganeira. Como exemplo, temos o episódio em que Oberyn morre (4×08). Até antes da cena da luta, o episódio é insuportável. Nos momentos finais do episódio, estamos praticamente implorando por um pouco de ação.
Outro exemplo, é o episódio da Guerra em Porto Real, na 2ª Temporada. As cenas brilhantemente bem filmadas são quebradas pelas conversas de Cersei e Sansa dentro do castelo. Isso é proposital!
Mesmo que muitas pessoas pensem que isso é falha da série, dos produtores, da direção, dos roteiristas, não é. Isso é construído tendo em vista um propósito, que faz parte do cerne do storytelling. É um conceito chamado “Leis dos Retornos Diminutivos”.
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Conceito
Quanto mais você experimenta uma emoção, menos poder ela tem.
Quais são os eventos mais lembrados? A quais momentos é dada maior importância? Na vida real, são os eventos que mais mexem com nossas emoções (de forma positiva ou negativa). Numa história, isso é aumentado centenas de vezes. Sobretudo se a história for tão extensa quanto Game of Thrones.
Para compreender melhor o conceito, pense em comer um bolo: o primeiro pedaço é delicioso; o segundo é bom; o terceiro, nem tanto; o quarto é ruim. Se você tivesse comido apenas o primeiro pedaço, sem repetir, a sensação gostosa que teve ficaria guardada. Então, o tempo ajudaria a gerar um efeito saudoso (“eu quero mais”, “eu quero de novo”), que não existiria com a repetição imediata; sobretudo se a repetição ocorrer mais de uma vez.
É como se os produtores da série te oferecessem um bolo. Depois que você saboreia o primeiro pedaço (e gosta) – digamos que, para enriquecer a metáfora, esse primeiro pedaço seja a queda de Bran da janela – você deseja mais um. Mas você não o tem; não no momento que você quer. Os produtores o provocam, até que você esteja querendo muito o próximo pedaço de bolo. Então, eles dão, e esse ciclo continua.
Quando a lei dos retornos diminutivos não é respeitada, a emoção que deveria ser atingida geralmente não tem efeito, ou tem o efeito contrário. Vejamos, como exemplo, o filme Gravidade (2013). Depois de Ryan Stone (personagem de Sandra Bullock) ter presenciado a morte de todos os seus companheiros, na estação espacial, ver esta explodir, todos os momentos de tensão crua em seu esforço hercúleo para retornar a Terra, ela finalmente consegue.. para quase morrer afogada ao deixar sua cápsula espacial. O que deveria ter gerado um (outro) efeito de tensão, gerou um efeito cômico pela repetição exaustiva de momentos de tensão.
Esse é um artifício muito usado na Comédia. A repetição de momentos trágicos, muitas vezes vistos como negativos, são transformados em cômicos pela sua repetição deliberada. Um exemplo perfeito é Two and a Half Men. Perder a mulher, a casa, não ter dinheiro, ser um fracasso com as mulheres, etc., são todos momentos negativos da vida de Alan, se olhados separadamente; mas, com sua repetição, torna-se cômico.
Game of Thrones representa perfeitamente esse conceito, porque a série (ainda mais do que o livro) estabelece logo um parâmetro: se um adulto pode atirar uma criança de uma janela, sem sinal algum de remorso, logo no primeiro episódio, então muita merda pode (e vai) acontecer. Dessa forma os produtores optaram por uma progressão lenta, enquanto a audiência segura a respiração, imaginando o que vai acontecer em seguida.
Respeitar a lei dos retornos diminutivos é indispensável para a construção de uma boa história. Um bom contador de histórias sabe levar o público ao desespero antes de fornecer aquilo que ele mais deseja: emoção, seja positiva (alegria, surpresa, diversão) ou negativa (raiva, medo, tristeza).
No final das contas, a interpretação que surge é: se tudo é foda ou bom (uma cena, num seriado ou filme), então nada é foda ou bom.
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Carioca, que abriu sua própria empresa para poder ter tempo de escrever e falhou miseravelmente. Uma pessoa intensa que encontrou na escrita a única forma de extravasar tudo que passa dentro de si.