Esqueça as divergências que você conhece entre as trilogias de Star Wars. Explicações diferentes para o mesmo conceito, personagens maravilhosos ou detestáveis, qualidade dos efeitos especiais, podem contar como erros ou acertos da história criada por George Lucas. Cada fase, no entanto, demonstra uma visão de mundo distinta sobre cada época.

Como boa parte dos fãs, repassei os seis filmes à espera do sétimo, que estreia amanhã. O que será que nos espera?

Uma Nova Esperança (1977) / O Império Contra-Ataca (1980) / O Retorno de Jedi (1983)

O primeiro filme é revolucionário. Apresenta conceitos novos em efeitos visuais, design e uma história que tornou qualquer pessoa da época um pouco (ou muito) mais nerd. O destaque merecido por esse filme vai além de características de produção, no entanto. Ele é chave para entendermos as visões sobre o mundo expostas em 1977, ano do lançamento, e nos filmes subsequentes.

Bem x Mal

Começando pelo óbvio. A dicotomia, comum à sociedade moderna, é clara na Galáxia. Com o mérito de não se preocupar com explicações de origem – viriam 20 anos depois -, Lucas apresenta Império e Aliança Rebelde em meio a uma fase chave da guerra. Darth Vader, inteiramente negro, e Princesa Leia, completamente branca, mostram em seu visual por qual lado devemos torcer – não repita isso em casa. É um artifício visual bastante desatualizado e, sim, racista, ainda que funcional e natural para a visão da época.

Esses polos bem definidos refletem a própria humanidade em plena Guerra Fria. Estados Unidos contra União Soviética, em um mundo dividido após a também dual Segunda Guerra. Os inimigos têm caracterizações comuns, além das visuais, como a ideologia de poder imposto através do medo e a falta de mira patológica dos stormtroopers.

Ceticismo x Religião

Admiral Motti: Qualquer ataque dos Rebeldes contra essa estação seria um gesto inútil, não importando que dados técnicos eles obtiveram. Essa estação é o maior poder do Universo! Sugiro que o usemos!
Darth Vader: Não fique tão orgulhoso desse terror tecnológico que vocês construíram. A habilidade de destruir um planeta é insignificante perto do poder da Força.

O diálogo entre Darth Vader e um dos líderes militares da Estrela da Morte é apenas uma das cenas apresentando as difíceis relações entre o ceticismo e a religião, tão inerentes ao Século XX. O mesmo ocorre diversas vezes entre Han Solo, Obi-Wan ou Luke. A expansão do pensamento científico sobre o religioso, um dos grandes movimentos do pensamento desde o Século XVIII, atingira um de seus picos poucos anos antes, com a exploração espacial e a chegada do homem à Lua.

Obi-Wan: A Força é o que dá a um Jedi seu poder. É um campo de energia criado por todos os seres vivos. Nos cerca e penetra. Ela mantém a galáxia coesa.

Muito se fala da discrepância entre o conceito da Força evidenciado na fala de Ben (Obi-Wan) e na trilogia nova, mais precisamente no Episódio 1, quando surge o conceito dos midichlorians.

Tecnicalidades geeks à parte, a discrepância faz todo o sentido, no contexto de cada tempo. Focando na saga original, vemos um Obi-Wan sábio, com pouco tempo disponível e muitas coisas a ensinar à Luke. O rapaz, por mais inteligente que seja, não cresceu recebendo a instrução que ficamos acostumados a ver no entorno do Conselho Jedi. O velho Ben é empático ao dar uma explicação simples e de fácil entendimento, ainda que sobre um tema subjetivo como a Força.

Essa é a postura de Lucas com o público. Ninguém conhecia o mundo de Guerra nas Estrelas, apresentado pela primeira vez naquele filme. O planeta era bastante conservador – ainda é – e menos ávido por níveis de detalhes explicativos, se compararmos com os anos 2000. Pensando na cultura americana, do ideal protestante, em plena Guerra Fria, entender a Força como aquilo que une todos é fácil por associação com o conceito de Deus. Quem não fazia grandes perguntas sobre Deus, não faria grandes perguntas sobre a Força.

A exploração espacial

A imaginação humana sempre foi fértil, no entanto, poucos períodos na História devem ter concentrado a imaginação de tantas pessoas no Universo quanto os anos após 20 de Julho de 1969, quando Neil Armstrong se tornou o primeiro homem a pisar na Lua. Não à toa, oito anos depois surge uma história que apresenta a imaginação do ser humano sobre o espaço sideral em um nível sem precedentes.

Viagens intergaláticas, vida extraterrestre, tecnologias impensáveis, e claro, sabres de luz. Estava tudo ali, um modelo de vida espacial capaz de explodir todas as mentes que se propuseram a pensar ao menos um minuto no assunto. Muitos momentos dos três primeiros filmes focalizam justamente esses elementos, para que o público possa absorver e sonhar: Luke conhecendo o Sabre de Luz; os diferentes seres (conte o tempo contemplando os seres inimagináveis na cena do bar, no primeiro filme, onde Luke e Ben encontram Han Solo) com direito a uma banda alienígena, com instrumentos alienígenas; os diferentes idiomas e até formas de comunicação; cenários e mais cenários.

Tatooine A New Hope

Feminismo

Sim, há demonstrações feministas na primeira trilogia. Princesa Leia mostra conquistas em 1977 que muitas personagens femininas de 2015, infelizmente, ainda não conquistaram. A começar pelo incidente incitante. A saga mais famosa da história do cinema se inicia graças aos movimentos de Leia. Como já tratamos aqui, incidente incitante é o evento que dá início à história, que a tira do repouso. Star Wars acontece como conhecemos a partir do momento em que Leia grava uma mensagem e a envia para Obi-Wan, através do robô mais fofo antes de Wall-E, R2-D2. É a decisão da princesa que permite a Luke entrar em contato com os robôs e com seu destino.

Há outras construções interessantes. Leia aparece pela primeira vez se escondendo dos soldados do Império – uma princesa e líder rebelde, sem guardas. No momento de sua captura, ela atira (e mata) um stormtrooper, e em nenhum momento é tratada como “coitadinha” enquanto sob custódia de Lord Vader. Ela não entrega a localização da base rebelde, mesmo sob tortura ou coação. No momento de seu resgate, se Luke e Han Solo não sabem o que fazer, ou podem tomar uma decisão errada, ela se impõe, lidera, atira, se protege… São demonstrações de força, cena após cena, muito mais frequentes do que as demonstrações de dependência.

É verdade que o primeiro filme ainda coloca o clima de triângulo amoroso, a necessidade de um romance, entre outros possíveis erros e/ou clichês ofensivos. O Império Contra-Ataca ainda mostra uma Leia forte, mas cada vez mais presa a um roteiro onde deve ser a mulher de Han Solo. O Retorno de Jedi retoma protagonismo para Leia, que aniquila o nojento Jabba com a força física, tem seu parentesco com Luke (logo, com a Força, revelada), além de várias cenas onde não é apenas coadjuvante na ação. Podemos dar um desconto para os pontos negativos de 1977 e da década de 80 (exemplo, os filmes não passam no Teste de Bechdel). Mais preocupações residem em 2015.

A ética da escolha

Provavelmente o principal tema de toda a saga. A trilogia separa o bem e o mal, mantendo, contudo, o fluxo entre eles. Luke pode escolher se tornar um Sith, ou Darth Vader pode escolher abandonar tal ideologia.

Na dissociação entre os caminhos, os sentimentos tidos como negativos – medo, raiva ou ansiedade – são a chave para a queda sob o domínio do mal. Ao mesmo tempo, Luke luta para demonstrar, através de seu pai, que esse não é um rumo sem volta, o amor é capaz de retornar alguém para o bem.

Enquanto essa batalha soa distante de nossa realidade, dilemas semelhantes se apresentam em situações mais próximas, como a transição do jovem para a vida adulta, saída de casa e vontade de explorar o mundo, a escolha do comprometimento com uma forma de vida e tudo que a escolha implica (seja uma carreira, um relacionamento ou se tornar um Jedi).

A Ameaça Fantasma (1999) / Ataque dos Clones (2002) / A Vingança dos Sith (2005)

A trilogia mais recente, considerada a menos interessante por nove a cada dez fãs, realiza um caminho diferente. A necessidade criada pela intenção de contar a origem do maior vilão de todos os tempos nos traz uma história que mergulha a cada segundo na escuridão – na medida em que Anakin se aproxima de seu Sith interno.

Política

Bloqueio comercial imposto a um povo, dificuldades de superação do problema por governantes. Poderia ser uma manchete de jornal, mas é a escolha de cenário político de George Lucas para a Galáxia.

Há muitas críticas a uma complexidade de trama em Ameaça Fantasma, devido aos vários interesses envolvidos, a não clareza dos agentes, quem está de que lado. Entre erros e acertos, essa complexidade traduz bastante bem uma diferença de 1999 para 1977. O mundo político se tornou mais difícil de analisar, os interesses estão menos à mostra, todos estão mais desconfiados.

Na história, a democracia e a República acontecem antes do Império, mas são exibidas em um momento em que o público é mais identificado com esses modelos. Bem e mal não são mais aquelas dicotomias claras. Estamos entrando na era do anti-herói, do mundo cinza, que não está só na Galáxia, como em Anakin.

É interessante ver que, coincidência ou não, a visão política de Anakin acompanha um movimento crescente, ainda que tímido, dos anos 2000, de uma desilusão e impaciência com o modelo democrático dirigido por representantes do povo. Muitas são as oportunidades de vermos as desconfianças na classe política pelos Jedi – alguém viu algo semelhante por aqui?

Padme

Então é assim que morre a democracia: com um grande aplauso – Padmé, sobre as manifestações pela volta da Ditadura

Midichlorians

De fato o conceito não deu certo. Foi esquecido em Ataque dos Clones, e faz uma breve aparição em A Vingança dos Sith. A tentativa de explicar a Força por um meio biológico, no entanto, se relaciona bem com os novos tempos. A Ciência domina ainda mais, em uma presumida disputa intelectual com a Religião, nos anos 2000. Há uma falta de paciência para conceitos sobrenaturais/abstratos, especialmente em produções geeks.

Feminismo

A trilogia nova quase segue os passos da antiga. Padmé é rainha que se finge de serva, explora planetas hostis, toma decisões políticas, atira, “mata” andróides. É dela o plano para resgate do seu palácio (e consequentemente planeta), mesmo estando acompanhada por dois Jedi’s, e dela a liderança da tropa durante o resgate e rendição dos chefes inimigos.

Assim como sua filha, Leia, ela perde protagonismo, à medida que o roteiro precisa que ela apareça no romance, nos filmes seguintes. Os filmes passam no Teste de Bechdel, todavia, Padmé se torna um parâmetro para Anakin e, conveniente para a história ou não, é um pouco irritante que ela desista da própria vida pela dor (imensa, é verdade) causada por Anakin. Ponto para Uma Nova Esperança e O Retorno de Jedi, ponto para Ameaça Fantasma, nota vermelha no quesito para a outra metade da saga (e provavelmente os fãs mais radicais piram ao ler isso).

Racismo

Mestre Windu é foda. Não há outros termos. Um dos grandes ganhos da saga nova sobre a antiga.

Jar jar

Ele é indefensável em qualquer visão de mundo.

A ética da escolha

Os filmes antigos criaram um culto em torno dos Jedi’s, ok. É nos recentes, no entanto, que testemunhamos efetivamente a visão de mundo desse grupo.

Enquanto o foco antes era tornar Luke um Jedi capaz de derrotar o pai e o Lorde Sith, o foco passou para o estilo de vida, o peso das escolhas desse estilo. Mindfulness é uma palavra da moda bem alinhada com os ensinamentos de 900 anos de Mestre Yoda.

Paciência, empatia, compaixão, amor, são palavras que mostram o caminho do Jedi. Paz e Justiça são seus eternos protegidos. Anakin tem dificuldades por seu peso maior estar na paixão e no medo. Ele conhece a injustiça, a escravidão, e o poder. Um soa como ferramenta para extinguir os outros, e todos os ensinamentos dos cavalheiros da Galáxia acabam estranhos ao seu ouvido.

A visão política de Anakin é um belo reflexo de como a escolha é vista por sua personalidade. Como alguém com muito poder e muito medo, ele só enxerga no primeiro a forma de evitar o último. Sempre que o poder não se mostra suficiente, alimenta o medo de perder. Sempre que o medo aumenta, alimenta a sede de poder.

Alguém que sente esse ciclo não conseguiria apostar em algo como uma democracia, onde depende da força de outros e do próprio desapego. Assim surge Darth Vader e a maior lição de Lucas.

O Despertar da Força (2015)

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Procurei não acessar nada além dos trailers. Não li livros ou vi desenhos que complementem os filmes. Portanto é grande a minha curiosidade, e estou certo de que a sua também, sobre o que nos espera no filme de amanhã.

O mundo político apresentado pode ser ainda mais caótico do que parecia o de Ameaça Fantasma ou Ataque dos Clones. Os Sith foram derrotados, ou não, pelo sabre de luz apresentado no trailer.

Mesmo no cenário ótimo, todo um Império Galático foi derrotado. Cada sistema planetário pode exigir diferentes formas de governo, relações, e a Aliança Rebelde não tinha tantas lideranças assim. Povos conquistados e não exterminados alimentam ódio, que pode torná-los indispostos a qualquer amizade. Sendo mais realista, legiões do Império estavam espalhadas pela Galáxia mantendo a ordem, e a destruição do poder central não significa o fim de uma guerra. Fora o caminho seguido pela Aliança. Volta de uma República? Outro modelo político? Que inspiração a década atual pode ter dado para a Galáxia?

Luke e Leia são outra incógnita interessante. Luke não surgir nos trailers levantou várias teorias, mas prefiro seguir o que indica O Retorno de Jedi. Leia termina o filme ciente sobre a Força. Ela e Han Solo tem um relacionamento. Luke, como Jedi, deve ser celibatário. É provável que um dos personagens principais (e aposto na menina) seja filho do casal mais famoso da Galáxia.

Não ter um filho deixa Luke livre para trilhar todos os tipos de caminho, mas sendo o único Jedi, é natural que ele tente treinar novos e cumprir o nome do filme O Retorno de Jedi, como foi indicado por Yoda e Obi-Wan. É provável que um de seus Padawan seja o detentor da nova máscara que veremos em O Despertar da Força.

Do lado social, fica a pergunta sobre como a Disney retratará minorias na história. O elenco já tenta equilibrar a equação através dos novos protagonistas, com a adição de uma mulher e um negro – ambos carregando sabres de luz.

Que tipos de conflitos e escolhas serão apresentadas amanhã, e nos próximos filmes da saga? Até descobrirmos, que a Força esteja com você.


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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.

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