Nota do editor: esse texto pode conter spoilers, inclusive sobre o mesmo. Continue por sua conta em risco.
Não posso resumir mais do que isso. A palavrinha que ganhou fama e já deveria ser verbete do Aurélio (ao menos é na Wikipedia) contém vida própria. O que antes era só uma peça de automóveis (vulgo aerofólio) e depois derivou do verbo “to spoil”, estragar em inglês, trata hoje de basicamente qualquer informação, sobre qualquer coisa. Uma história, uma notícia, ou esse texto.
Ocorre um efeito engraçado. O que deveria ser apenas “estragar o efeito surpresa de uma história” se tornou algo tão demonizado quanto desejado. Detesto spoilers. Conheço pessoas que não se importam, outras que amam. É nessa indefinição, acredite, que mora a chave do Spoiler 1.
Droga, eu ia dizer isso só agora, mas o editor prometeu um spoiler a cada quebra de parágrafos. Uma das grandes confusões que geram ruído em uma comunicação está nas divisões de papeis entre emissor e receptor. Existem vários exemplos, como aquelas péssimas frases “o preconceito está na mente de quem lê” – como se o emissor fosse isento de responsabilidade em toda mensagem que produz e comunica.
Essa confusão, misturada a uma conveniência, joga a responsabilidade sempre para o lado oposto. Quando prefere não ser acusado de preconceito, o emissor joga o poder sobre o conteúdo (que ele próprio gerou, veja que curioso) para o receptor. Quando prefere não ser acusado de dar spoiler, ele inverte a lógica, segurando todo o poder sobre o conteúdo dizendo:
“Não, o que falei não é um spoiler! Está na sinopse!”
Nenhuma comunicação, caros emissores desse Brasil, é toda sua ou toda do receptor. Sempre há responsabilidade em gerar um conteúdo, como também há dependência do modelo mental do receptor, o qual influenciará em sua interpretação. Você pode ter excelente oratória, e péssima empatia, e com isso influenciar negativamente a interpretação do receptor. Pode ter grande empatia e péssima oratória, e prejudicar novamente a recepção de quem está do outro lado. Aqui não é um curso de oratória, então vamos trabalhar essa empatia.
Quando queremos contar uma informação de um filme, série, ou outra produção, mesmo que não seja o final da história, perceba que, necessariamente, aquele é um momento que gerou valor para nós. Achamos importante para o enredo, ou engraçado, ou nos lembrou de algo da infância… Ou detestamos e queremos poupar a pessoa, o motivo não importa tanto. Se não gerasse algum valor, não iríamos sentir necessidade de contar. O receptor, em geral, sentirá isso: que para nós, emissores, a informação contém valor. O que funciona como indicação de que esse receptor também perceberá algum valor na informação. Se essa pessoa prefere não saber, pois isso pode afetar como ela entenderá a história quando apreciá-la, essa deve ser uma decisão dela. Dizer que não é um spoiler e impor a informação pode estragar essa futura apreciação da pessoa, algo que compete a ela somente. Por que essa necessidade de imposição?
Para não cair no risco, basta uma pergunta prévia. “Posso te contar uma coisa sobre o filme tal? Acredito que não vai estragar você assistí-lo depois” (a segunda frase é opcional). A receptora decidirá, e você fica livre do risco. Em um almoço de trabalho, por exemplo, conversando sobre O Regresso, um colega perguntou o que entendi de uma das tramas. Falei que, para responder a pergunta, eu possivelmente daria spoiler para outro colega presente, que não vira o filme. Este então disse que assistiria o longa no fim de semana e preferia não saber. Pronto, aprendi a preferência dele, e guardei a resposta para um instante em que apenas quem perguntou a receberia. Convenhamos, não é tão difícil.
Tem gente que não gosta de trailer. Outros não aguentam sinopse. Algumas pessoas gostam de saber as revelações da última cena. Acompanham sites de notícias que entregam tudo sobre um filmes antes. Há quem ame saber o que acontecerá em Game of Thrones pela série antes de quem só lê o livro. Há quem sofra com essa possibilidade de vingança à vista. Eu vejo e leio, e sofro porque quero ler antes. O mundo é plural assim, se deseja não ser acusado de dar spoilers, é só tentar saber o que o receptor aceita ouvir antes.
Um último caso. Quando a informação é sobre algo antigo, como a primeira trilogia de Star Wars, ou uma temporada anterior da série, algo já batido e que quase todos sabem. Não posso falar sobre no Facebook, em um grupo? Em um grupo, é válido saber se alguém ainda deseja ver e se importa de ler/escutar. Em uma via “pública” como o feed de notícias, Doug (Michael Kelly) de House of Cards explicará melhor:
Cadê o vídeo do Tá no Ar? Bem, melhor que um spoiler é uma quebra de expectativa, não é mesmo?
(os vídeos no Youtube apresentam baixas qualidades, portanto acesse o link abaixo para uma boa resolução).
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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.