Vieses cognitivos são as tendências de pensar de certas maneiras que podem levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais, frequentemente estudadas em psicologia e economia comportamental. – Wikipedia

Pesquisar vieses cognitivos é um de meus hobbies estranhos. As tendências biológicas e construídas de raciocínio, ou as falácias lógicas que absorvemos com o tempo, mostram como nosso pensamento é dinâmico, orgânico e imperfeito. Mostramos aqui como a imparcialidade é inalcançável para um indivíduo, mas é hora de ir além.

Encontrei no Medium esse texto de Buster Benson: a lista maceteada dos vieses cognitivos. Com a autorização do autor, segui para traduzir o texto e montar uma versão brasileira desse guia. O problema é que o assunto está beeeeem à frente por lá.

Por exemplo, a página “lista de vieses cognitivos“, na Wikipedia em Português, contém 37 classificações de vieses. Já a página “list of cognitive biases“, da Wikipedia em Inglês, contém 179 classificações. Quase cinco vezes mais.

O que impressiona no trabalho de Benson é o esforço em dissecar 175 classificações em grupos (número que havia na lista em inglês, na época do texto original), criando um guia que facilite qualquer pessoa curiosa a entender melhor o universo do assunto, nossos grandes desvios de raciocínio e suas razões de existência – spoiler: eles são necessários muitas vezes, por isso usei “desvios” ao invés de “falhas”.

Já o meu desafio se tornou a produção de uma forma palatável de apresentar tantos vieses cognitivos, em uma cultura que, na literatura leiga (onde me incluo), sequer consegue classificar todos. Portanto, abaixo você lerá o texto de Benson. Depois, espero encontrar uma forma de abordar os grupos de vieses de maneira mais detalhada e organizada, e conto com você.


Tirinha - Pesquisa no Google

Fonte: http://chainsawsuit.com/comic/archive/2014/09/16/on-research/

Escutei a retórica de ambos os lados… Hora de fazer minha própria pesquisa sobre a verdade “verdadeira”

“Literalmente o primeiro link que concorda com o que já acredito”

… Bingo.

Passei muitos anos referenciando a lista de vieses cognitivos da Wikipedia, sempre que tinha um palpite de que um certo tipo de pensamento é um viés oficial, mas não consigo lembrar o nome ou os detalhes. Tem sido uma referência de valor imensurável para me ajudar a identificar as falhas escondidas em meu próprio pensar. Nada com que cruzei o caminho parece ser tão compreensível e sucinto.

Contudo, honestamente, a página da Wikipedia é um emaranhado um tanto bagunçado. Apesar de tentar absorver as informações dessa página através dos anos, muito pouco dela parece grudar na memória. Frequentemente a escaneio e sinto que não sou capaz de encontrar o viés que estou procurando, e então rapidamente esqueço o que aprendi. Acho que isso tem relação com a maneira com que a organização da página evoluiu ao londo dos anos. Hoje, ela agrupa 175 vieses em categorias vagas (vieses de tomada de decisão, vieses sociais, erros de memória, etc) que não sinto serem mutuamente exclusivas, e então lista os vieses alfabeticamente dentro das categorias. Há muitas duplicatas e muitos vieses semelhantes com nomes diferentes, espalhados aleatoriamente.

Tirei um tempo das últimas quatro semanas (estou em licença-paternidade) para tentar absorver e entender a lista mais profundamente, e tentar criar uma estrutura de organização mais simples e clara para pendurar esses vieses. Ler atentamente sobre vários vieses deu a meu cérebro algo para refletir enquanto eu ninava o pequeno Louie.

Comecei com a lista crua dos 175 vieses cognitivos e adicionei todos à uma planilha, então dei um novo passo removendo duplicatas e agrupando vieses similares (como o efeito da bizarrice e o efeito humor) ou complementares (como viés do otimismo e viés do pessimismo). A lista foi reduzida para cerca de 20 únicas estratégias mentais enviesadas que usamos por razões muito específicas.

Fiz inúmeras tentativas de agrupar essas cerca de 20 estratégias em um nível mais alto e eventualmente as agrupei pelo problema mental genérico que tentavam resolver. Cada viés cognitivo está lá por uma razão – primeiramente para salvar tempo e energia de nossos cérebros. Se você os olhar pelos problemas que tentam resolver, se torna mais fácil entender por que existem, como são úteis e em troca as perdas (e consequentes erros mentais) que introduzem.

QUATRO PROBLEMAS QUE VIESES COGNITIVOS NOS AJUDAM A ENDEREÇAR:

Sobrecarga de informações, falta de significado, necessidade de agir rápido e como saber o que precisa ser lembrado posteriormente.

Problema 1: Muita informação.

Simplesmente, há informação demais no mundo, não temos escolha que não filtrar praticamente tudo. Nosso cérebro usa alguns truques simples para eleger as informações com maior probabilidade de serem úteis em alguma maneira.

Problema 2: Falta de significado.

O mundo é muito confuso e vemos apenas uma pequena parcela dele, mas precisamos torná-lo inteligível para sobreviver. Uma vez que a reduzida corrente de informações chega, conectamos os pontos, preenchemos as lacunas com conhecimentos que já pensamos que temos e atualizamos nossos modelos mentais do mundo.

Problema 3: Necessidade de agir rápido.

Somos restringidos por tempo e informação e não podemos nos deixar paralizar. Sem a habilidade de agir rapidamente em face à incerteza, definitivamente teríamos perecido enquanto espécie há muito tempo. Com cada pedaço de nova informação, precisamos fazer nosso melhor para avaliar nossa habilidade para afetar a situação, aplicá-la a decisões, simular o futuro para prever o que pode acontecer em seguida e agir conforme nossa nova percepção.

Problema 4: Do que devemos lembrar?

Há muita informação no universo. Só podemos nos dar ao luxo de manter os bits com maior probabilidade de uso no futuro. Precisamos realizar constantes apostas e trocas sobre o que tentamos lembrar e o que esquecemos. Por exemplo, preferimos generalizações sobre especificidade porque elas ocupam menos espaço. Quando há muitos detalhes irredutíveis, coletamos alguns itens destacados e descartamos o resto. O que salvamos aqui é  o que tem maior chance de preencher os filtros ao problema 1 (sobrecarga de informações), como preencher o que vem à mente durante os processos mencionados no problema 2 sobre completar informações. É tudo auto-reforçante.

ÓTIMO, COMO DEVO LEMBRAR DISSO TUDO?

Você não deve. Entretanto, pode começar lembrando desses quatro problemas gigantes, para os quais nossos cérebros evoluíram para lidar nos últimos milhões de anos (e talvez favoritar caso queira ocasionalmente usá-la como referência para o viés cognitivo exato que está procurando:

  1. Sobrecarga de informação é um saco, então filtramos agressivamente. Ruído se torna sinal.
  2. Falta de significado confunde, então preenchemos as lacunas. Sinal se torna história.
  3. A necessidade de agir rápido para que não percamos nossa chance, então pulamos para conclusões. Histórias se tornam decisões.
  4. Ainda não está fácil, então tentamos lembrar dos bits importantes. Decisões informam nossos modelos mentais sobre o mundo.

Para evitarmos nos afogar na sobrecarga de informação, nosso cérebro precisa desnatar e filtrar quantidades insanas de informação e rapidamente, quase sem esforço, decidir quais poucas gotas dessa mangueira de incêndio jorrando são realmente importantes e capturá-las.

Para construirmos significado a partir dos bits e pedaços de informação que vêm à nossa atenção precisamos preencher as lacunas e mapear tudo em nosso modelo mental existente. Durante o processo, também precisamos garantir que tudo segue o mais estável e acurado possível.

Para agirmos rápido, nossos cérebros precisam realizar, em milissegundos, decisões que impactam nossas chances de sobrevivência, segurança ou sucesso, e sentir confiança que conseguimos executar as decisões.

E para continuarmos fazendo tudo isso o mais eficientemente possível, nossos cérebros precisam lembrar dos bits mais úteis e importantes de novas informações e informar os outros sistemas para que possam se adaptar e desenvolver com o tempo, mas não mais do que isso.

SOA BEM ÚTIL! ENTÃO QUAL A PERDA?

Em adição aos quatro problemas, seria útil lembrar dessas quatro verdades sobre como nossas soluções aos problemas tem seus próprios defeitos:

  1. Não captamos tudo. Parte da informação que descartamos é realmente útil e importante.
  2. Nossa busca por significado pode criar ilusões. Às vezes imaginamos detalhes que são preenchidos por nossas suposições, e construímos significados e histórias que não estão lá de fato.
  3. Decisões rápidas podem ter falhas graves. Algumas das reações instantâneas e decisões que apressamos são injustas, egocêntricas e contra produtivas.
  4. Nossa memória reforça erros. Algumas das coisas que lembramos apenas torna todos os nossos sistemas acimas mais enviesados e danosos ao nosso processo de raciocínio.

Ao manter os quatro problemas com o mundo e as quatro consequências de nossas estratégias mentais, a heruística de disponibilidade (e, especificamente, o Fenômeno Baader-Meinhof) garantirá que notemos nossos próprios vieses cognitivos com mais frequência. Se você visitar essa página de vez em quando, o Efeito de espaçamento ajudará a realçar alguns desses padrões de raciocínio para que nossos Viés do Ponto Cego e Realismo ingênuo sejam mitigados.

Nada que fizermos pode eliminar os quatro problemas (até que encontremos uma maneira de expandir o poder computacional de nossa mente e o espaço de memória para equivaler ao do universo), todavia, se aceitarmos que somos permanentemente enviesados, mas com espaço para desenvolvimento, o Viés da Confirmação continuará nos ajudando a encontrar evidências que suportam essa premissa, que ultimamente levarão a um melhor entendimento sobre nós mesmos.

“Desde que aprendi sobre o viés da confirmação, sigo o vendo em todo lugar!”

Vieses cognitivos são apenas ferramentas, úteis nos contextos corretos, danosas em outros. São as únicas ferramentas que temos, e elas até são muito boas no que pretendem realizar. Podemos também nos familiarizar com elas e apreciar que ao menos temos alguma habilidade para processar o universo com nossos cérebros misteriosos.

Deixarei vocês com a primeira parte desse pequeno poema por Emily Dickinson:

O pensamento é maior que o céu.
Coloque lado a lado os dois:
O céu cabe no pensamento,
E ainda cabe você depois.
(tradução de Prof. Henrique Reis)

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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.

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