Para iniciar esse texto, que tal um rápido estudo de Psicologia?

“Psicologia? Você tá maluco?”

Lógico. Quem não ficaria depois desse episódio? E se você quiser entender qual a importância desse episódio (e seu título), você precisa entender o conceito psicológico por trás dele.

Teoria da Dissonância Cognitiva

Cognição significa o conhecimento que uma pessoa adquire de si, do seu comportamento e do meio que a cerca. Nossas opiniões e crenças são formadas a partir de nossa cognição. Dissonância é o mesmo que desarmonia, discordância.

O termo dissonância cognitiva é usado para descrever as sensações de desconforto que resultam de duas crenças contraditórias (baseadas em nossa cognição). Quando há uma discrepância entre as crenças e comportamentos, algo tem de mudar, a fim de eliminar ou reduzir a dissonância.

Dissonância cognitiva pode ocorrer em muitas áreas da vida, mas é particularmente evidente em situações onde o comportamento de um indivíduo entra em conflito com as crenças que são essenciais para a sua identidade.

Um indivíduo que experimenta essa inconsistência tende a ficar psicologicamente desconfortável, o que gera um conflito interno e, posteriormente, a motivação para tentar diminuir essa dissonância. Cognições que são mais pessoais, tais como crenças sobre o self (si mesmo), tendem a resultar em maior dissonância.

Existem três maneiras de eliminar a dissonância: (1) reduzir a importância das convicções dissonantes, (2) acrescentar convicções mais consoantes que se sobreponham às convicções dissonantes ou (3) mudar as convicções dissonantes para que elas não sejam mais incoerentes.

Desde o primeiro episódio, vemos Dolores, cujo mundo é de repente virado de cabeça para baixo, lutando com terríveis inconsistências. Maeve, mais tarde, começa a sofrer do mesmo mal.

ATO 01

Westworld é sobre várias pessoas em busca de respostas às suas perguntas. Para o Man In Black, desde o início da série, é: “qual é o nível mais profundo desse mundo?” Para Dolores, pelo menos desde o episódio três, é “quem sou eu?”. Para Maeve, a partir deste, é “estou ficando louca?”. Para William, pelo menos na perspectiva de Logan, a pergunta não é muito diferente da de Dolores. “Quem sou eu?” é a pergunta que todos os convidados que vão ao parque querem responder.

Será que eles conseguem essas respostas? E como conseguem?

ATO 02

O episódio mais uma vez abre com Dolores, e de novo de uma forma aparentemente secreta. Os três pontos mais importantes da cena são:

  • Ela fala que a sensação de perder a família é dolorosa. Bernard diz que, se ela quiser, ele pode apagar essa memória. Dolores, por sua vez, fala algo muito parecido com o que Bernard disse no último episódio, sobre a perda de seu filho:

“Por que eu iria querer isso? A dor, a perda, é tudo que me restou deles. Você acha que o pesar o fará menor por dentro, como se seu coração fosse desabar sobre si, mas não desaba. Eu sinto espaços se abrindo dentro de mim como prédios com cômodos que nunca explorei.”

  • Sobre essa fala, Bernard pergunta se eles escreveram isso para ela. Ela responde que em parte. Ela adaptou de algo que ela leu. Ou seja, as informações externas que ela recebem entram em seu “processador” e podem ser usadas em improviso.

  • No começo da história, Dolores falou que “preferia ver a beleza do mundo em vez das feiuras”, agora parece aterrorizada com seu mundo. Ela diz que há algo de errado nesse mundo. Ou talvez seja ela que está errada. Sente como se estivesse enlouquecendo. Bernard fala do labirinto e o que falei no último texto: o labirinto é a forma de encontrar a liberdade. Ela reflete um pouco e fala: “Acho que quero ser livre.”

Impressionante a atuação da atriz, mudando de um ser com sentimentos para um ser sem, literalmente de um segundo para o outro.

Logo após ela falar sobre “querer ser livre”, cortamos para ela despertando no acampamento. William logo aparece.

Vimos que parece haver uma conexão entre as cenas. Será que há uma conexão entre a liberdade de Dolores e William? Parece que sim. Mas nada nunca é tão simples quanto parece no mundo de Westworld.

Vamos a Maeve, com certeza o ponto mais importante do episódio. Ela começa a dar problemas “físicos”. Ela parece ficar tonta, o som fica meio dissonante (algo a ver com o título do episódio?). Então ela olha para Clementine. Sangue começa a escorrer de seu rosto. De repente, as duas estão caídas. Clementine está morta, mas Maeve está só com um tiro perto do apêndice.

Em seguida, vemos homens com as roupas que disse acima pegando os corpos. Já vimos isso em outro episódio, mas só pensei nisso agora: eles podem ser contaminados pelo “sangue” dos androides? O sangue é real?

A construção toda é feita como se fosse o presente. Mas não é. Maeve de repente volta a si. Clementine está repetindo o que disse alguns segundos antes. Maeve passa a mão na barriga, como se lembrasse do tiro. Mas sua pele está normal, não há qualquer vestígio de um tiro.

A cena seguinte é ela voltando para casa. A cena fica tensa com a entrada de uma trilha sonora simples, mas fantástica, de um teclado sintético com uma bateria ditando um ritmo acelerado. A mesma trilha que vimos no episódio 2, quando ela está fugindo dos indígenas.

Em casa, ela faz o desenho do homem que viu em seu “sonho” – como se tivesse medo de esquecer? Então vai guardar debaixo do piso, em um lugar secreto. Mas o lugar está cheio de outros desenhos iguais! Ou seja, ela já passou por isso algumas outras vezes. Surgiu em minha cabeça a ideia de que talvez esse seja o ciclo narrativo dela. Ela foi programada para se lembrar. O problema é que ela está se lembrando disso. Por mais confuso que seja, ela está se lembrando de ter se lembrado. Isso fará com que ela saia desse ciclo, investigando suas memórias.

As cenas seguintes nada mais são do que construções para o que virá. Theresa (do departamento de qualidade) está se metendo onde, aparentemente, não deve. Ela está insatisfeita com a nova narrativa de Ford e a forma como está atrapalhando todas as outras narrativas. Então, tomou com mão de ferro todos os problemas que estão acontecendo.

Em seguida, Logan (Ben Barnes) percebe que William está caidinho por Dolores. Supõe que quem colocou Dolores ali foi o próprio parque, para dar a William um propósito ou algo com o que se importar. Mais tarde, vemos que os bastidores estão preocupados com Dolores, mas dispensam a preocupação ao ver Dolores com um convidado.

Ou seja, Dolores sabia disso e por isso ficou com um convidado? Ou alguém por trás disso fez isso. Talvez Bernard. Ou o Man In Black, que parece saber tanto sobre o parque.

Man in Black!

Ele está procurando o labirinto. Ele percebe que a serpente que lhe falaram não é um réptil de verdade, mas uma pessoa com tatuagem de serpente – uma mulher que vimos no segundo episódio, junto com Hector Escaton, interpretado por Rodrigo Santoro.

MIB se une ao grupo da Mulher-Serpente. É só o Incidente Incitante do que está por vir.

Dolores está na mesma cidade do episódio retrasado, onde o MIB matou basicamente todo mundo e a garota (que ela encontra) disse a ele onde fica o labirinto. Outra vez a série parece fazer uma conexão. Será que é coisa minha ou é realmente verdade?

“De onde você é?
Do mesmo lugar que você, você não se lembra?”

Dolores lembra de uma igreja branca (aquela envolvida na história de Ford). A garota desenhou o labirinto (que vimos antes) no chão. De repente, ela não está mais lá.

Mistérios sobre mistérios sobre mistérios…

Quer mais mistérios?

MIB está num acampamento com os homens da Mulher-Serpente. Um anfitrião vai até ele e fala: “É uma honra conhecê-lo, senhor. Sua fundação salvou minha irmã…”

Ele parece ficar irritado com isso, e fala: “essa é a porra das minhas férias.” Além de MIB ser um humano (menos um ponto para mim, que achava que ele podia ser um androide), ele é um humano famoso.

Outro detalhe. Quando o anfitrião fala sobre a fundação, MIB fica irritado e fala “mais uma palavra e corto sua garganta.”

Nos foi falado que os convidados não podem morrer no parque. Certo, as armas parecem ser programadas para não atirarem contra os convidados. Mas e o caso das facas, por exemplo? Como prevenir a violência entre convidados?

Mais um detalhe interessante. Vemos o MIB como um homem mau – um assassino violento. Mas se ele possui uma fundação que ajudou a salvar a vida de uma pessoa – possivelmente de outras também – talvez haja outro lado nele. Talvez ele tenha começado como um “chapéu branco” e tenha se transformado em um “chapéu negro”.

Como Logan sugere a William, logo em seguida.

Então, MIB fala de Arnold.

Embora o Man in Black tenha falado sobre um homem chamado Arnold, isso não torna a teoria de que ambos são a mesma pessoa impossível, apenas altamente improvável.

Ele fala de escolhas e do livre arbítrio. Ele pode estar falando do parque… ou da nossa própria existência.

Escolhas, Lawrence. Prefere crer que está à mercê das minhas para não ter que pensar nas suas próprias. Pois se pensasse em suas próprias escolhas, encararia uma verdade que não compreenderia, de que nenhuma escolha que fez foi realmente sua. Você sempre foi um prisioneiro.

Ele é preso com nada menos nada mais que o pistoleiro de Rodrigo Santoro.

Alguém notou que ambos são Homens de Preto?

O MIB original fala sobre o plano do grupo da Mulher-Serpente de resgatá-lo demorar 3 dias, e que ele vai roubar o cofre do Mariposa. Também fala que não tem esse tempo todo. Isso mostra duas coisas: que ele sabe muito sobre o parque e seus ciclos narrativos; e que ele está correndo contra o tempo.

Para fugir da prisão, ele faz algo que PROVA que ele sabe muito mais do que sequer imaginamos. Seu ato de acender um fósforo causa algo na programação do parque (um efeito pirotécnico que é aceito pelos bastidores) que transforma um charuto em uma pequena bomba. Por quê? Como? Como ele sabia disso e por que isso existe?

O MIB original resgata o MIB brasileiro. De volta ao acampamento, a Mulher-Serpente lhe conta a origem da tatuagem. Outra vez, uma ligação com Wyatt (que faz parte da nova narrativa de Ford).

Voltamos a Maeve. Uns indígenas (chamados também de Andarilhos) estão fazendo sabe-se lá o quê. Ela vê um brinquedo igual aos homens que viu antes. Alguém lhe diz que é da religião dos indígenas. Isso mostra que algo assim aconteceu antes, então eles criaram essa “desculpa” para explicar a visão desses seres. Inteligente.

Achei estranho todos os erros em Maeve e nada dos bastidores fazerem algo a respeito. Talvez pensem que a nova narrativa de Ford seja a responsável.

Theresa diz a Bernard que irá se encontrar com Ford, porque a nova narrativa dele está causando caos no parque, e ela tem um problema com isso, assim como o Conselho vai ter.

Então, amigos, preparem-se para a ameaça mais ameaçadora de todas. Lógico, vindo de Anthony Hopkins não é muito difícil. Nem raro.

Bem, como toda aparição de Hopkins, a cena é maravilhosa.

A cena é uma obra de arte do subtexto. É Hopkins mostrando a Theresa que sabe tudo sobre ela, sobre seu presente e sobre seu passado. Mais importante, ele dizendo (e mostrando) que ali ela é uma funcionária, e ele, um deus.

No fim, ele fala “assegure o Conselho de que a nova narrativa não será uma retrospectiva”, possivelmente se referindo à famosa falha no parque, 30 anos antes.

A parte mais interessante é o garçom servindo o vinho. No mesmo enquadramento, temos Ford e a taça com o vinho sendo servido. Ele vai falando e a taça vai enchendo. Pensamos: caraca, a taça vai transbordar. E ela transborda. Afastamos e vemos que o garçom travou. Assim como os outros funcionários. Depois, literalmente todos ali, menos eles dois, estão travados.

A mensagem é clara: eu mando nessa porra toda, e vocês que se fodam.

Perdoem meu francês. Não havia forma mais clara do que essa.

Pontos importantes antes do clímax final com Maeve:

  • Logan é atingido pelos tiros e os reflete como o MIB ou o atirador apenas erra o alvo?

  • Estará Lawrence ciente de sua situação ao falar ao MIB “não ache que não sei notar a diferença”, querendo dizer entre MIB e os outros?

  • Quando MIB encontra Teddy amarrado em uma árvore, ele sabia que isso ia acontecer?

Maeve antecipa o roubo de Hector. Ela descobriu antes que ele viveu entre os “selvagens” e ela quer descobrir o que é aquele boneco. Ele fala que é uma lenda sagrada indígena. Fala de homens que andam entre os mundos, enviados do inferno. Que alguns são abençoados (será mesmo?) e podem vê-los. “É uma benção dos deuses ver os mestres que puxam suas cordas.”

Interessante. Ainda mais pensando que, em uma narrativa antiga, Maeve parecia ter algum envolvimento com os indígenas.

Ela fala que levou um tiro na barriga. Ela está certa disso. Ela se perfura com a faca e pega a mão de Hector. Inesperadamente, ele tira um projétil dali, mesmo sem uma marca de tiro.

“Nada disso importa.”

ATO 03

O episódio acaba não respondendo a muitas perguntas, e deixando muitas outras no ar. Imaginamos apenas que a série se encaminha para um caminho muito interessante, e ficamos com aquele gosto na boca de que ainda há muito por vir.

Quatro das perguntas que restaram:

Maeve vai se lembrar do que houve nesse episódio ou sua memória será apagada?

Até que ponto Dolores irá se afastar de seu ciclo narrativo sem levantar suspeitas dos bastidores?

O que fará Theresa em relação a Ford? Irá desafiá-lo, mesmo depois de sua ameaça?

Será que vão descobrir que Bernard está por trás do desvio de Dolores? Será que Ford já sabe?

Duas das perguntas que foram criadas:

No final, vemos Logan partindo com seu “Easter Egg”, mas não vemos William ou Dolores. Estavam atrasados ou será que seguiram outro caminho?

Quem é a filha de Lawrence? Será que ela tem um papel nas narrativas ou é apenas um fantasma vagando pelo parque, ou um legado de Arnold?

Por fim…

Westworld 1x04 The Dissonance Theory cena1

É, pois é. Nunca tinha reparado também.

Como o labirinto parece ser um ponto-chave na série, vamos analisar o que é o labirinto.

A princípio, podemos imaginá-lo como um lugar físico. Você o encontra, entra e chega à liberdade. Como um labirinto comum.

Diante disso, poderíamos imaginar que o MIB é mesmo Arnold, e que, de alguma forma, Ford o trancou dentro do parque. Então, o labirinto é sua única forma de sair.

Por outro lado, podemos imaginar o labirinto não como um lugar físico, mas como um estado; talvez a mente bicameral que falamos no último post. No centro do labirinto, está o corpo que encontramos nos bastidores, em sua construção. Ou seja, no centro do labirinto estaria a chave de sua própria construção. De sua liberdade. Do último estágio de sua consciência.

São teorias, lógico. No mundo de Westworld, as teorias tão facilmente são construídas como são destruídas. Nunca saberemos a verdade até o último segundo do décimo episódio.

Gosta da série? Você pode ler as reviews dos outros episódios de Westworld aqui.

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Carioca, que abriu sua própria empresa para poder ter tempo de escrever e falhou miseravelmente. Uma pessoa intensa que encontrou na escrita a única forma de extravasar tudo que passa dentro de si.


Nicholas Nogueira

Carioca, que abriu sua própria empresa para poder ter tempo de escrever e falhou miseravelmente. Uma pessoa intensa que encontrou na escrita a única forma de extravasar tudo que passa dentro de si.

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