O “Olmo e A Gaivota” é um longa-metragem documental e de ficção luso-brasileiro codirigido pela diretora brasileira Petra Costa, que, além dessa belíssima produção original, carrega em sua bagagem “Elena”, lançado em 2012. Mas deixemos Elena para uma próxima oportunidade.
Talvez vocês tenham ouvido falar do filme de um jeito bem inusitado: Petra, durante seu discurso de aceitação do prêmio de melhor documentário do Festival do Rio de Cinema, falou sobre feminismo e o direito de escolha da mulher, fosse para interromper sua gravidez ou dar continuidade a ela. Em resposta, Petra foi bombardeada na internet com comentários machistas, intolerantes e opressores. E talvez essa tenha sido a melhor ironia possível para essa situação.
Veja bem, O “Olmo e a Gaivota” não é apenas um documentário-ficção sobre a vida de dois atores que doam suas vidas ao teatro e ao seu trabalho atual, a releitura da “Gaivota” de Tchekov. O filme é uma poderosa reflexão sobre a existência, sobre nossas escolhas e sobre nosso direito de exercê-las. O filme, centrado na angústia pessoal de Olivia, uma atriz dedicada cuja profissão é colocada em pausa devido a uma gravidez de risco, nos faz refletir sobre como as consequências de nossas decisões podem ser difíceis e até mesmo desesperadoras, mas precisam ser nossas e de ninguém mais.
O tempo todo em Olivia, mesclando traços de ficção com a vida real, o filme acompanha a montanha-russa de sentimentos e reflexões que nossa personagem-atriz vivencia durante sua gestação. Fica claro que, mesmo tendo decidido seu destino, Olivia sofre com as consequências dessa decisão enquanto permanece confinada em seu apartamento devido ao repouso obrigatório. Mesmo com todo apoio de Sergei, seu namorado e companheiro de trabalho, a posição de Olivia ainda é a de uma mulher que fica paralisada diante de uma situação que não pode controlar. Ela ressente Sergei por ele poder – e dever – continuar se dedicando ao seu sonho, à sua profissão, da qual também compartilha, enquanto ela sofre sozinha presa a um sofá carregando o filho de ambos. É como se, inevitavelmente, o homem saísse ileso mais uma vez apenas devido ao seu privilégio de ter nascido com um pênis em vez de uma vagina e um útero e a mulher fosse compelida a se privar de suas ambições em prol da família. A mulher nunca parece ter permissão para ter tudo o que deseja.
Olivia não enxerga sua gravidez como um fardo ou uma punição. Longe disso. Embora seja difícil lidar com as consequências, Olivia está claramente grata e empolgada pelo nascimento de seu filho, do fruto de seu amor. No entanto, é impossível assistir à angústia de Olivia por ser obrigada a aceitar suas escolhas e não pensar que, se para ela, que é uma mulher livre e conta com todo o apoio de seu namorado, ser mulher é uma tarefa difícil, para tantas outras mulheres que não possuem o poder de fazer suas próprias escolhas é agonizante e cruel. É impossível não pensar na angústia que é ter o casamento arranjado pela sua família ou o desespero que é ter seu clitóris arrancado do seu corpo. É impossível não lembrar de todas as mulheres que são obrigadas a se casarem com seus estupradores para não serem motivo de desonra à família. É impossível não lembrar de todas as mulheres que morrem durante abortos clandestinos. É mais impossível ainda não lembrar de todas as mulheres que foram silenciadas, espancadas, estupradas e mortas. Nenhuma gaivota no mundo seria capaz de voar para longe de tanta angústia.
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Lésbica, femininja, vegetariana, esquerdista, abortista e obviamente banida dos almoços da família. Acredita fielmente que a revolução começa no bar. Aliás, desce mais uma gelada?