“The Season of the Witch” é um episódio recheado de acontecimentos.
A primeira metade da temporada terminou com “Art of War” sem alterar nossa lista de suspeitos. Ganhamos uma cena sobre Don no funeral de Andrea, que o torna especialmente estranho. Continuamos sem passar pelas pessoas no caminho de Naz até a casa da garota. Já ele próprio fez sua decisão chave na prisão, mas sem revelações sobre o caso.
No quinto episódio, começamos a preparação para o julgamento. Em Law and Order, a investigação e a passagem pelo tribunal se resumiriam a um capítulo, tomadas rápidas e decisões ainda mais. Em Suits, trocas de farpas ágeis e acordos na velocidade da luz, quase nunca nos permitindo ter a visão de uma corte.
Em How to Get Away With Murder, alguns casos realmente demoram vários episódios, porém, permanece a velocidade através dos muitos cortes de câmeras. Os alunos superinteligentes vomitam ideias até surgir uma abençoada pela guru, Annalise, um pouco semelhante ao time especial liderado por House na antiga série médica.
The Night Of consegue passar o episódio inteiro discutindo poucas ideias e dois suspeitos.
O caso capitaneado pela promotora Helen nos mostra um resultado toxicológico. De fato, Naz e Andrea estavam bastante drogados, o que poderia corroborar sua narrativa anterior – que sabemos ser verdade – de que a garota estimulou o uso das drogas.
O garoto, no entanto, tinha uma a mais, anfetamina. Pela primeira vez temos acesso a um lado desconhecido de Naz. Sua capacidade de mentir – ou omitir, no mínimo.
Essa percepção é chave por dois motivos:
- Fica estabelecido que ele usa alguma outra droga, e sem saber sua origem e tempo de uso, a ideia de um bom garoto que seria usada pela defesa fica enfraquecida.
A tese de bom garoto poderia, no entanto, ser segurada pelo uso de um medicamento como Adderall, uma espécie de Rivotril para ajudar no ritmo de estudos.
- O que realmente enfraquece a tese, no entanto, é que o uso de um remédio como Adderall poderia ter sido revelado por Naz em outro momento, pelo menos a Stone. A anfetamina só aparece agora, gerando o primeiro “pé atrás” do advogado com seu cliente. É a omissão, a sensação de mentira, que derruba a tese de bom garoto com mais força.
Rumo ao julgamento, “The Season of the Witch” faz jus a uma espécie de caça às bruxas, como o nome dá a entender. Ambos os lados da história precisam dominar todas as narrativas, cada um com suas estratégias. A promotoria é parte do sistema e se aprofunda nele. A defesa luta contra o sistema e se aprofunda em suas margens.
É dessa forma que Helen descarta Trevor como testemunha, percebendo como suas opiniões dificilmente são controláveis e poderiam prejudicar o caso. Para John Stone, é o tipo de elemento da narrativa a ser criada para Naz que precisa ser apertado. Buscar Trevor é a chave para que John, ao menos por enquanto, não quebre sua relação com Nasir.
Seu cliente falou a verdade ao dizer que eram dois os homens com quem esbarraram na frente da casa de Andrea. John se mostra um excelente investigador. Primeiro apertara um rapaz do passado da vítima, em busca de descobrir sua história pregressa com as drogas. Com a nova informação de Naz, convence Trevor pouco a pouco, até descobrir tanto a informação quanto o nome que esperávamos ansiosamente desde o episódio piloto: Duane Reade, homônimo de uma farmácia.

Atenção para o gatilho da trilha sonora, quando John vê o nome da farmácia. É a melodia que nos carrega pelos momentos tristes, de decepção. A série nos dá total desesperança de encontrar Duane, acreditamos que seu nome é falso. Tudo para, ironicamente, descobrirmos depois que é o nome real.
O amigo de Trevor – bem, não tão amigo assim – tem em sua ficha outros crimes com o mesmo modus operandi, uso de uma faca para matar. Junte-se a isso sua fuga e o olhar que este dera ao casal no primeiro episódio, e ele escala ao topo do ranking dos suspeitos. Será que a dupla de Chandra e John conseguem reencontrá-lo, após sua escapada?
Na frente de “ataque”, que deveria ser apenas “Promotoria”, vemos como os incentivos do sistema judicial são montados. Já no primeiro episódio, Helen questionou Box sobre como ela perderia o caso. Sua função, em essência, deveria ser tão voltada quanto a de Box ou a de Stone à descoberta da verdade, à garantia da justiça. Não é o caso.
Afinal, como o sistema poderia determinar quando um promotor alcançou a verdade? Quando um policial prendeu o suspeito correto? Quando a defesa mantém um cliente inocente? Essas respostas só podem ser obtidas através de uma bola de cristal, então o sistema não é montado para respondê-las.
A alternativa criada é a de estímulo a funções complementares ou contrastantes, em busca de que o resultado máximo individual leve a resposta coletiva correta. Como? Um advogado de defesa deve defender seu cliente acima de tudo. Um policial deve resolver o máximo possível de crimes. Uma promotora deve condenar o máximo de criminosos possível. Esses são os incentivos.
Então, o sistema oferece inúmeros obstáculos no caminho de todos os envolvidos, para evitar que esses incentivos, por si só, corrompam o processo. Helen é avaliada por quanto consegue ganhar casos, mas deve provar inúmeros fatores para chegar à condenação. Por isso, precisa de mais provas contra Naz, e pede a Box que retome a investigação minuciosamente. Pelo mesmo motivo, vai ao legista.
Acontece que, naturalmente, dá-se um jeito de corromper o sistema na direção do incentivo. O papel dela é ganhar, mais do que chegar à verdade. Então ela força a barra com o legista, que pode simplesmente acreditar que entortar seu testemunho é o necessário para condenar alguém definitivamente culpado (afinal, por que ele desconfiaria do trabalho dela?).
Da mesma forma, interpreta em seu favor a cena da câmera de rua que capta Andrea entrando no táxi de Naz, após a saída de um casal. Premeditação, pensa ela, em frente a um Box descrente da mesma visão.
Ah Dennis Box. Seu retorno a um tempo razoável de tela nos oferece mais uma belíssima cena, em que traça o caminho realizado por Nasir até a casa de Andrea. Estamos vendo a “decupagem” de um processo investigativo e, ao mesmo tempo, acessando a mente do detetive. Cada ponto que ele adiciona no mapa é ponderado, enquanto somos agraciados com uma sobreposição dos eventos de “The Beach”.
Aprendemos rapidamente que o policial responsável pela investigação está em final de carreira, à beira da aposentadoria. Este é seu último caso. É de se esperar que ele queira encerrar a carreira com a consciência tranquila, e nesse momento ele ainda está inseguro.
A insegurança o deixará ainda mais resoluto em fechar o caso no entorno de Naz? Ou gerará uma reviravolta, em que Box enxerga uma falha e acaba por ajudar a defesa?
Não sabemos.
E não sabemos mais se Naz é inocente.
O instinto ainda é de culpar Duane ou pensar em como Don pode ser o assassino. No entanto, se Nasir não foi descartado antes, agora deve ser seriamente considerado.
Outra grande atuação de Riz Ahmed. A cena em que bate em Calvin nos deixa em dúvida se vemos apenas uma fúria vingativa e pontual, ou um monstro enjaulado tentando se libertar. O próprio Freddy está interessado no enigma, surpreso com a capacidade de Naz dormir tranquilamente após espancar um homem furiosamente.

Você tem alguns segredos aí dentro, não tem? E alguma fúria. Eu gosto disso.
Aceitando a ajuda do chefão da prisão, o garoto vê uma escalada do valor que buscou no quarto episódio, o respeito que o fez se identificar com Chandra. Ele ganha uma cela privativa, raspa o cabelo para uma imagem mais condizente com o poder na prisão, escolhe o canal de TV.
Sabemos que raspar o cabelo é ruim para sua imagem no tribunal, mas este não é o foco da sua vida. Ele vive na prisão, um lugar onde a sobrevivência é diária. Não existe o luxo de se preocupar com o cabelo para um prazo longo como o de um julgamento.
É interessante como ele aceita traficar as drogas. Sabíamos que os privilégios de Freddy cobrariam seu preço. Naz acredita que não consegue, o chefão diz que sim. Me deixou feliz o fato de Naz não insistir. Ele é inteligente, e a série não abusa de nossa inteligência. O padrão de histórias nesse conflito é o protagonista negar até sofrer um baque, “tomar porrada” ou algo do tipo. Em The Night Of, nem uma ameaça foi necessária, pois toda a informação estava implícita.
Também é bom ver que, mesmo desconfiado do garoto após a anfetamina, Stone ainda é o cara que entende a posição de Naz. Enquanto este tenta esconder o ato de engolir as drogas, seus advogados não são cegos. A cena é feita para pensarmos que é possível ele estar escondendo: porque é isso que Naz sente. Até Stone mostrar o óbvio. “Entendo que você precise fazer isso. Apenas não seja pego”.
“The Season of the Witch” nos mostra um protagonista que pode ser diferente de tudo que imaginamos de início, o que é incrível. Mas ele pode ainda ser inocente. Mesmo nesse cenário, não só não sabemos se a defesa consegue ganhar, como não fazemos ideia se ele pode voltar a uma vida normal depois do período em Riker’s Island. Ele podia não ser um criminoso. Após o efeito indesejado do sistema criminal, ele é.
O episódio conecta seu início e fim com o efeito da lâmpada que Stone usa em seu cuidado com os pés. O momento é de perseguição a Duane, e tememos pelo fim do advogado, quando somos interrompidos pela luz, e pelos créditos.
É aquele cliffhanger para deixar todos aflitos por uma semana de espera. Mas o susto não é necessário. Stone estava sozinho, não ocorre uma sombra ou som antes da luz azul repentina. O fato de ser a mesma luz conectando início e fim na verdade nos mostra que, bem, estamos no mesmo patamar. Stone não conseguiu nada aqui, provavelmente nem conseguirá.
Mais importante, já sabemos que a cor da violência é o vermelho. A luz é azul, bem como boa parte da fotografia do episódio (perceba nas cenas espalhadas pelo texto). Podemos dormir tranquilos, ainda que inquietos.
Mas eu não quero copiar “The Season of the Witch” e fechar igual ao início. Por vezes destaco um conceito, como a tensão em “The Beach”, ou a fotografia em “Subtle Beast”, a atuação de John em “A Dark Crate” ou a de Riz Ahmed em “Art of War”, junto com o uso do título. No quinto episódio, o “prêmio” do momento que me encheu os olhos vai para a edição. Sim, é a cena de Box percorrendo o mapa.
A cena é memorável. Tem fotografia, trilha sonora, cortes, sobreposição de flashbacks com tempo presente, tudo orquestrado com precisão cirúrgica. Cada parada da caneta no mapa é marcada com alguma batida marcante na trilha sonora. Os movimentos do ator Bill Camp são sincronizados com os enquadramentos na caneta percorrendo, enquanto ainda temos Naz ou Andrea sobrepostos aos movimentos. É uma dança entre passado e presente.
É bom lembrar que quem assistiu a série ao vivo não tinha a oportunidade de fazer o famoso binge watching. São cinco semanas entre o caminho percorrido por Naz no táxi e a cena atual. Os roteiristas e diretores apresentam o ponto de vista investigativo do detetive, em um processo técnico, ao mesmo tempo em que apresentam o passado, nos lembrando do nosso ponto de vista, de como fomos chegar ali. Nos permitindo contrastar o que sabemos ser verdade com o que parece ser verdade, e o que pareceu ser verdade com o que não sabemos mais.
Se puder, reveja a cena. Ou só a relembre:
Gosta da série? Você pode ler as reviews dos outros episódios de The Night Of aqui.
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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.