O terceiro episódio de The Night Of terminou sem adicionar detalhes ao caso de Naz. Apenas vimos Stone perceber que poderia haver mais história na cena do crime do que conta a investigação de Box. Agora, em “Arte da Guerra”, apenas um dos suspeitos que listamos teve alguma atualização.

A filmagem de Don no enterro de Andrea, brigando com um amigo da garota, joga combustível na hipótese de um assassino familiar. O fato de ele ser o único da lista a ter algo mostrado a essa altura, no entanto, me faz achar que é mais um elemento para alimentar teorias do que a base para uma verdade futura.

Já sabemos que Naz é o protagonista, mas pelo segundo episódio seguido, vemos John Stone dividir os holofotes, o tempo de tela.

A atuação de Turturro permanece afiada, então o tempo é produtivo. Talvez o foco seja resultado de o papel ser originalmente destinado à James Gandolfini, o eterno Tony Soprano, ícone da HBO, e grande entusiasta do projeto antes da sua morte, em 2013 – o papel foi depois oferecido à Robert De Niro, antes de chegar à Turturro.

A cena em que ele escuta um de seus “clientes padrão” defender sua inocência, um discurso no qual ele visivelmente não acredita, mostra a profundidade com que o advogado se sente envolvido no caso de Naz. Talvez pela falta de sentido das conclusões e possível inocência do acusado, talvez pela chance que teve na carreira, mas principalmente pela chance que teve de dar um rumo diferente a sua vida. Estar envolvido em um processo que significa algo mais do que defender pessoas obviamente culpadas, já excluídas e descrentes quanto à sociedade.

The Night Of 1x04 Art of War cena 1

O que estou fazendo com minha vida?

É com esse tempo de tela que vemos a determinação de John com relação ao garoto muçulmano. Apesar da decepção de não o representar mais, ele faz um trabalho até mais minucioso do que Box, buscando informações de Andrea na vizinhança e conseguindo dados sobre a clínica de reabilitação (Invictus House).

O ponto negativo do foco parece ser um desapego ao tempo de tela de outros personagens. A cena de John com a prostituta, suas cenas com o eczema nos pés, são fortes marcas da construção do advogado que anda sobre “sanduíches do subway”. Mas será que já não estamos suficientemente avançados em sua personalidade para olharmos com mais cuidado para outros personagens?

Box, por exemplo, mesmo após ganhar um título próprio no segundo episódio, vem tendo seu tempo de tela reduzido. O embate entre Box e Stone após o enterro de Andrea dá uma sensação de “quero mais”. O detetive pareceu aqui extremamente decidido quanto ao destino de Naz, cabendo a Stone alimentar as dúvidas que nós já sabemos que existem no homem da lei. Gostaria de mais “zoom” nessa relação.

The Night Of 1x04 Art of War cena 2

No momento da ameaça, Box se levanta para afirmar seu poder visualmente.

Como seguem os dois policiais que primeiro encontraram o garoto na fatídica noite? Não é relevante conhecermos mais da promotora do caso? O que acontecerá com os taxistas sócios de Samir? Eles sequer ligarão para John?

The Night Of continua em seu ritmo próprio, não se obrigando a abordar nesse episódio uma ideia que surgiu no capítulo anterior. Uma decisão que pode fazer todo o sentido quando olharmos para o final, mas que pode gerar armadilhas quanto à expectativa do público ao longo do processo.

A família de Nasir, felizmente, não perdeu tanto tempo de cena. Vimos o impacto na vida do irmão, se envolvendo em brigas no colégio e sob risco de perder a vaga de estudo. A cena da mãe jogada no sofá, ainda no início do episódio, enquanto o espetáculo midiático se ajeita à porta da casa da família, é mais um momento em que a série consegue elevar sua catarse ao extremo.

The Night Of 1x04 Art of War cena 3

Outro momento de destaque é a desistência de Alison Crowe, comunicando aos pais que o caso não será um pro bono (gratuito) por seguir a julgamento – uma condição que ela nunca estabeleceu anteriormente, já que nunca conseguiria convencer os pais de representar Naz se deixasse clara sua intenção de conseguir um acordo. Ela se livra do caso, o colocando no colo de Chandra. Não sabemos quanto o caso custará, o que pode levar a um retorno explícito do cliente a Stone.

Por outro lado, a interação entre este e Chandra nos mostra que ele pode se tornar uma ajuda à advogada mais jovem, uma espécie de consultor no caso (ganhando pontualmente por isso, algo de que ele precisa independente de sua convicção em ajudar o garoto). A perspectiva dessa nova equipe é uma das promessas mais interessantes que o episódio deixou para a segunda metade da temporada.

“Art of War” é, no entanto, intrinsecamente sobre Naz, em um nível que não fora visto desde o primeiro episódio, “The Beach”. Freddy conversa com o rapaz sobre três livros: os dois que todo preso lê, Arte da Guerra de Sun Tzu e O Outro Lado da Meia-Noite de Sidney Sheldon; e O Chamado Selvagem, livro de Jack London sobre um cão – o huskie siberiano Buck – capturado e forçado a dar suas energias para puxar trenós. O cão é um forasteiro no ambiente hostil e precisa descobrir como sobreviver em um lugar desconhecido, onde é alvo de outros maus-tratos dos novos donos e acompanhado de cães adaptados ao contexto. Exatamente como Naz.

Freddy permaneceu alimentando a chance de trazer Nasir para debaixo de suas asas. Ter por perto alguém que entende a mesma religião, que é culto, ou pelo menos é o que ele deseja aparentar sobre o interesse no garoto.
O mais interessante é o uso de cada livro para o episódio. O jovem muçulmano já leu O Chamado Selvagem. É The Night Of dizendo que ele entende a situação em que caiu, e já está se adaptando. Que Freddy não tem taaanto a ensinar assim. Um ponto que alimenta a possibilidade de Naz saber mais sobre estar ali do que imaginávamos, que vai contra sua inocência. Tão sutil que pode ser viagem minha, claro.

Ao livro O Outro Lado da Meia Noite, um romance repleto de manipulações, fica a lógica da própria manipulação de Freddy, enquanto manda uma mensagem. Ele demonstra poder ao já saber do acordo oferecido à Naz, e faz da mensagem mais uma boa ação, do tipo “Olha, você não conseguirá uma chance melhor que esse acordo, eu sei”.

Arte da Guerra não é o nome do episódio à toa. Além de ser o mais famoso da trinca de livros – o que faz ser menos clichê que este seja o único que não aparece visualmente -, é o livro que realmente resume a quarta jornada da série. O Chamado Selvagem pode ser a vida na prisão, mas esse dia é de guerra.

A guerra tem um nome, Calvin. A trama na prisão parte do isolamento de Nasir, sendo deixado pelo vizinho de cama devido ao perigo que o cerca ao ter o colchão queimado no fim de “A Dark Crate“. Aqui está o incidente incitante. Havia uma relação de equilíbrio, e o garoto perdera.

Surge então um novo vizinho que, vendo a opressão direcionada a Naz na fila da loja, resolve se tornar seu tutor. Calvin é legal. Rejeita todos os conselhos do vizinho anterior e parece disposto a não ser dominado por Freddy. Poderia ser só uma diferente filosofia sobre a vida na prisão, mas se o último companheiro de Naz estivesse contra o rapaz, sua ação egoísta seria de apenas sair de perto? Ou de matá-lo, como tantos desejam?

Richard Price e Steven Zailian fazem um belo trabalho mantendo Freddy rondando a relação. Ele está sempre olhando os dois juntos, faz um favor a nosso protagonista com a roupa do presídio, se mantém à espreita. São elementos que mantêm nosso alerta de perigo direcionado ao rei de Riker’s Island, ao invés de Calvin.

A grande dica, no entanto, é a foto que este guarda de sua parente. Não é uma foto dela viva, feliz ou ao menos ocasional. É ela morta, idêntica à imagem de Andrea.

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Essa é Andr… digo, minha sobrinha

Mais uma vez, a fotografia de The Night Of nos conta a história além de palavras. Antes de Calvin chamar Naz para ver a foto, ele está olhando para o teto. A câmera se aproxima, muito lentamente, até mudar para o diálogo entre os dois, onde conhecemos a foto da sobrinha. Quando Naz olha a foto, não faz perguntas, não comenta. Ele reflete. Percebe que tem algo estranho ali. Então se deita, e olha para o teto novamente.

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É sútil (e é interpretação minha, posso estar viajando), então vamos com calma. Olhe bem para as duas imagens. A primeira é antes da conversa. Naz olha para o teto, e as coisas parecem em ordem, apesar de um problema ou outro como o corte no braço. A simetria da imagem reforça essa ordem. Há uma falha no meio, que pode significar esses obstáculos como o corte. A câmera, no entanto, faz um zoom lentamente, até mudar para a conversa sobre a foto.

Após a reação de Naz ao ver a foto (silêncio, olhar para Calvin, voltar para a cama), o vemos olhando novamente para o teto, e chegamos à segunda imagem do mesmo. Repare que é como se uma segunda câmera nunca tivesse parado de dar o zoom. Estamos mais próximos das luminárias, e claro, a falha está mais destacada. O movimento da câmera em direção à falha é o movimento psicológico de Naz, percebendo as incertezas o envolvendo após o papo com Calvin e sua estranha vontade de mostrar aquela fotografia. Sabemos como sua mente está caminhando sem qualquer palavra do mesmo. E claro, temos em ambos os momentos uma grade vermelha (aquela em que Freddy se apoia) na borda da imagem. A cor da promessa de violência, e a grade que lembra que Freddy está rondando a relação.

O cuidado dos criadores em não deixar buracos na trama aparece até em detalhes pequenos como a descrição que Calvin faz de armas que os presos são capazes de usar. A mais curiosa delas é a junção de água quente com óleo de bebê, que funciona como “napalm”, resultando em sérias queimaduras para o alvo.

Ser o item mais curioso de uma lista já é um grande indício que esse elemento será usado na trama. Some a isso o foco dado em mostrar a tal torneira de água quente, e temos quase uma garantia. Como cereja do bolo, a manivela (ou o abridor) da torneira é vermelho. Na última review, teorizamos sobre o uso do vermelho em The Night Of, a cor relacionada às promessas de violência, lembra? Até citamos agora na grade das imagens do teto.

The Night Of 1x04 Art of War cena 7

Dito e feito. Mesmo Calvin tendo mostrado a raiva que sente do assassino de sua sobrinha por este se declarar inocente, Naz não conseguiu chegar a essa conclusão. É aqui que o ataque se torna iminente, pois o garoto acaba falando a única frase que Calvin precisava ouvir para garantir sua lógica de vingança. Nasir ao menos tem o reflexo de proteger seu rosto, tendo seu braço queimado – o mesmo que fora cortado ao longo do episódio.

Precisamos falar da atuação de Riz Ahmed. Nos três primeiros episódios, temos um rapaz cru, ingênuo, totalmente perdido no terror em que caiu, começando a tomar ciência de sua situação. Em “Art of War”, temos seu último estágio de evolução rumo à uma tomada da própria sobrevivência. Ahmed está incrível nas expressões de seu personagem, passando perfeitamente o estado de espírito em que Naz se encontra.

Vemos como ele necessita de respeito, pois é o máximo que pode ter na situação em que está. Então afasta Crowe, a advogada que faz dele apenas uma ferramenta, e se aproxima de Chandra, a advogada que o enxerga como uma pessoa.

É marcante ver como, apenas na metade da temporada, Naz tem a chance de contar a um público sua própria história. Para Box, John, Chandra, sua família, a promotora, o juiz. Antes ele era um elemento, o motivo de todos estarem no contexto, nada mais que isso. Agora ele tem uma posição, teve espaço e voz, e culpado ou não, pode se declarar.

Essa tomada de respeito próprio, como uma bandeira fincada, é brilhantemente reproduzida na última cena. Naz quase volta para o lado de Calvin, quase ignora a violência que sofreu, como com o corte no braço que ocorrera antes. Mas não, não mais. Ele tem uma posição no tribunal, ele pode ter uma posição na prisão. Por um segundo, parece que ele vai contar o que Calvin fez. Jogar a responsabilidade para o sistema resolver? Não. Ele teria garantido 15 anos de prisão por um crime que não cometeu (até onde sabemos) graças ao sistema. Foda-se o sistema. Ele vai até Freddy, com Calvin olhando cada passo.

Gosta da série? Você pode ler as reviews dos outros episódios de The Night Of aqui.


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Roteirista, apaixonado por narrativas. Editor e podcaster do Além do Roteiro.

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