Nota: O texto possui spoilers do terceiro capítulo da segunda temporada de Black Mirror: Waldo Moment.

Waldo é um desenho animado de um urso, personagem de um programa de humor da televisão inglesa, interpretado por Jamie Salter. O urso tem uma caverna cor-de-rosa onde recebe seus convidados para entrevistas, que parecem ser de um programa infantil, mas reservam a armadilha de um humor agressivo e ácido. Seu entrevistado mais recente é Liam Monroe, candidato conservador, que fica constrangido com as perguntas; o vídeo da conversa viraliza.

Tentando pegar carona no sucesso do vídeo da entrevista com Monroe, o ursinho azul passeia pelas ruas atrás do candidato para fazer outras perguntas durante sua campanha. Em todos os momentos, Waldo satiriza a postura padrão do político, com respostas prontas para problemas que afligem a população como a segurança pública e o jeito artificial com o qual ele interage com os eleitores.

Estetização da política — Waldo, o candidato herói

Waldo materializa — mesmo sendo um ursinho virtual — o sentimento de ojeriza à política tradicional, superficial no trato com o eleitorado e inócua na resolução dos problemas cotidianos. Jack Napier, o produtor e dono do personagem sugere o insano passo seguinte, a candidatura política de Waldo. Jamie reluta inicialmente, por não ser um político, mas aceita a sugestão.

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Vote no Waldo

A única plataforma política de Waldo é a humilhação dos outros candidatos políticos. Waldo é um herói que despeja o ódio de muitos contra a classe política em forma de humor. E isso já lhe basta para ter sucesso na eleição.

A história de Jamie

Jamie não vinha em um bom momento de sua vida pessoal, enquanto Waldo escalava seu sucesso. Em um coquetel, se interessa por Gwendolyn Harris, ao avistá-la. A produtora do personagem, Tamzin, avisa que Harris é a candidata do partido trabalhista e que Jamie deveria ler sobre sua vida, a fim de munir seu arsenal de agressões, e não tentar se aproximar de Gwendolyn. Nada a que o rapaz tenha dado muita atenção.

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Jamie e Waldo

No dia que seguiu a noite que passaram juntos, Jamie manda uma mensagem para Gwendolyn sem retorno. Esbarra casualmente com ela, que diz para não se encontrarem mais. A associação da negativa com a carreira política de Harris é direta para Jamie. A frustração amorosa supera o sucesso do personagem.

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Gwendolyn Harris

Liam, Gwendolyn e Waldo vão a um debate político, onde o ursinho começa o seu roteiro costumaz de humilhações ao candidato conservador. Este, agora, revida dissecando toda a carreira medíocre de Jamie, expondo suas frustrações ao público. Após um breve estupor do ator, Waldo denuncia a artificialidade de Liam, considerando-o menos humano que si próprio, um ursinho azul virtual. Na sequência, Waldo direciona suas ofensas a Gwendolyn, que estavam inflamadas pelas frustrações: a da sua carreira até então, exposta por Liam, e o fim do relacionamento relâmpago. Acusa-a de ser tão superficial quanto Liam, não por buscar vencer a eleição, mas por apenas usá-la de trampolim para sua carreira política.

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Liam, Gwendolyn e Waldo em um debate

Jamie sai transtornado do debate e entra numa espiral de destruição. Em uma aparição de Waldo pelas ruas, ele, através do personagem, diz que não dever-se-ia votar no urso, revoltando Jack. Jamie demite-se, sai da van e continua a insultar Waldo, jogando pedras na tela. Waldo, agora controlado por Jack Napier, acusa Jamie de ser seu inimigo e o ator acaba sendo agredido pelo público enfurecido com a crítica a seu herói. Naquele momento, Jamie já era muito menor que o personagem que criou.

O fim do capítulo mostra Jamie dormindo na rua como um pedinte, com telas exibindo diversos anúncios de produtos relacionados a Waldo. Revolta-se novamente, tenta quebrar as telas e é preso pela polícia.

O principal problema de Waldo não é a falta de propostas

Jack Napier também não era político e sim produtor, portanto não era mudança na esfera pública o que ele objetivava ao lançar a candidatura do ursinho. A intenção era usar a eleição para aumentar o impacto e a popularidade de Waldo, a fim de gerar dinheiro com seu sucesso, como ficou claro na última cena do episódio, onde várias telas apresentavam produtos relacionados ao urso. A contradição é que Waldo era um projeto político tão artificial quanto aqueles a quem ofendeu. Se Gwendolyn queria apenas usar a candidatura como trampolim em sua vida política, Waldo era uma arma não para mudar a sociedade, mas para fazer dinheiro. O público, tentando fugir de uma proposta falsa de política, comprou outra proposta falsa de política. Esse é um paradoxo interessante do movimento antipolítico.

Após o anúncio da derrota de Waldo para Liam, Waldo, naquele momento já comandado por Jack Napier, incita o público a atirar sapatos no candidato vencedor. A posição de herói do ursinho é suficiente para que o público aceite sem pestanejar a sugestão violenta e comece a agredir Liam e quem estava no palco com sapatadas.

O herói que vem combater um temido e forte inimigo não é questionado nem quando propõe absurdos. A irracionalidade irradiada pelo ursinho é o seu principal perigo à sociedade. É fácil olhar para a história do episódio e se lembrar de como Hitler fez dos Judeus seus inimigos para conseguir o apoio do povo alemão a uma ideologia tão nefasta e absurda como o Nazismo. É importante olhar para a trajetória de Waldo e questionar devidamente todos os que se candidatam, não só a cargos políticos, mas a capa de herói. Essas figuras se proliferam em momentos de crise política, como o Brasil do início de 2017. Um político de carne e osso pode patrocinar coisas muito mais graves do que algumas sapatadas em seus concorrentes.

Publicado originalmente no Medium por Gustavo Barreto.

Procurando pela 4ª temporada? Começamos uma série de análises detalhadas sobre os episódios recém-lançados.
Você encontra essas análises e as reviews dos outros episódios de Black Mirror aqui.


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Passo boa parte das minhas horas vendo esportes, no netflix, no bar ou perdido em textos na net. Nas restantes, escrevo no Medium e aqui sobre isso


Gustavo Barreto

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